A ainda baixa cobertura que Bauru mantém sobre a atenção à saúde primária impacta diretamente na rede estadual hospitalar - o que cria um problema inevitável em torno das vagas de internação, apesar de avanços recentes, como a ampliação da Estratégia de Saúde da Família (ESF) e a extensão do horário de funcionamento em unidades básicas.
A avaliação é da diretora do Departamento Regional de Saúde (DRS-6), Fabíola Yamamoto, contra quem parte dos vereadores da base do governo municipal tem proferido duras críticas nos últimos meses. A diretora do DRS concedeu entrevista ao JC na sexta-feira (13).
A atenção primária, afirmou, deve nortear a política de saúde de qualquer cidade. A rede básica, afinal, é responsável pelo acompanhamento contínuo de pacientes com condições como hipertensão, diabetes e doenças respiratórias, além de responder a demandas de menor complexidade, como casos de dengue.
"Dengue não é para ser tratada nas UPAs. É na atenção básica que o paciente deve ser acompanhado por um mesmo médico, dia após dia, para avaliar sua evolução", disse.
Isso também significa ampliar o programa Estratégia Saúde da Família (ESF). Hoje, Bauru cobre apenas 56,96% da população com o ESF. O percentual é maior se comparado a anos anteriores — quando a cobertura era inferior a 50% —, mas ainda está aquém do ideal, diz Fabíola.
Cidades como Ribeirão Preto, por exemplo, já ultrapassam os 78% de cobertura em matéria de Saúde da Família. A demanda se estende ainda às campanhas de vacinação: enquanto Ribeirão registra cobertura vacinal acima de 92%, Bauru apresenta média de 86%.
Nesse aspecto, afirma a diretora do DRS, a fragilidade da atenção básica sobrecarrega os serviços de urgência e emergência, como as UPAs e hospitais estaduais. Isso se agrava em períodos de sazonalidade, a exemplo do outono, que combina o aumento de casos de dengue com doenças respiratórias, como bronquiolite e asma.
"O paciente com asma deveria buscar a UBS para um tratamento contínuo. Mas como não há esse vínculo, ele recorre repetidamente ao pronto-socorro, sendo atendido por profissionais diferentes, sem acompanhamento adequado", observa. "Não estou falando que a culpa é da população. Mas temos de pensar estratégias para melhorar essa assistência", acrescenta.
Segundo Fabíola, todos os municípios atendidos pelo DRS-6 com população superior a 20 mil habitantes possuem um hospital municipal ou uma Santa Casa, entidade filantrópica, conveniada ou sob intervenção das respectivas prefeituras.
"Eu não tenho, por exemplo, pedidos de internação de pessoas acometidas por bronquilite de cidades como Lençóis Paulista ou de Agudos, que possuem suas respectivas Santas Casas", detalha a diretora.
Isso evidencia, afirma, que a falta de retaguarda municipal contribui diretamente à sobrecarga dos hospitais estaduais.
O próprio governo do Estado se movimenta nesse sentido. Uma das medidas, menciona Fabíola, envolve a recente ampliação de 10 novos leitos de UTI pediátrica no Hospital das Clínicas. A medida visa mitigar os impactos das doenças sazonais, especialmente em crianças.
Fabíola cita que, ao contrário de cidades como Ribeirão Preto — que conta com dois hospitais municipais —, Bauru não possui unidades hospitalares sob gestão da prefeitura ou de entidade filantrópica conveniada.
"Isso acaba pressionando os hospitais estaduais e até mesmo a rede privada quando o município precisa adquirir vagas de internação", menciona. Botucatu, por exemplo, implementou hospital municipal neste ano, em medida que desafogou substancialmente o número de internações na rede estadual em casos de baixa complexidade.
Em Bauru, enquanto isso, o plano da ex-secretária Giulia Puttomatti (Saúde) que envolve abertura de novos leitos, criação do Hospital Municipal, reforma do Pronto-Socorro e a criação de uma Unidade de Referência em saúde seria fundamental para desafogar a rede estadual, diz Fabíola. Anunciado há dois anos, contudo, a medida não vingou até o momento.
Sem prazo
O secretário de Saúde de Bauru, Márcio Cidade Gomes, afirmou durante audiência na Câmara nesta sexta (13) que o Hospital Municipal ainda não tem prazo para ser entregue e tampouco iniciado. A licitação chegou a ser lançada em setembro do ano passado durante o período eleitoral. Acabou suspensa em janeiro deste ano, sem prazo para ser reaberta.
Segundo ele, a proposta está atualmente na fase de contratação do projeto-base, que passa por ajustes internos na pasta.
"Essa é a tarefa que eu me imponho", afirmou, após ouvir do vereador Eduardo Borgo (Novo) que não acredita na entrega do equipamento ainda neste governo.
O secretário explicou que o projeto prevê um Hospital Dia — sem funcionamento noturno e sem leitos de UTI. O modelo inclui até 60 leitos para cirurgias e internações de baixa e média complexidade.
"Um Hospital Dia cirúrgico com 60 leitos, se for bastante eficiente iniciando sua jornada às 6h e indo até às 20h, conseguiria girar em um leito único três pacientes. Para não forçar muito, pelo menos dois pacientes. Isso significa 120 pacientes sendo operados por dia", projetou o secretário, estimando que isso permitiria zerar filas em um curto espaço de tempo.
Sobre se haveria leitos de UTI no projeto, Gomes disse que "não existe e não deveria existir", ao mencionar que a responsabilidade de alta complexidade é do Estado.
"Precisa investir mais"
O vereador Natalino da Pousada (PDT), que se reuniu na semana passada com a diretora do DRS, diz que "falta gestão, planejamento e, acima de tudo, prioridade com a saúde da população" a nível municipal.
"O programa Estratégia Saúde da Família (ESF), que deveria ser a porta de entrada e sustentação do sistema, não recebe o investimento necessário. Enquanto a base segue fragilizada, o sistema inteiro entra em colapso. As UPAs continuam superlotadas, o Hospital Manoel de Abreu enfrenta dificuldades, e os novos leitos prometidos no Hospital das Clínicas ainda são aguardados", menciona.
O plano do governo estadual é estruturar o HC para atingir seu pleno funcionamento em 2026. A estratégia envolve repasse de R$ 80 milhões - pouco mais de R$ 30 milhões dos quais já foram enviados. "É inadmissível que uma cidade como Bauru continue refém da precariedade estrutural. A prefeitura precisa assumir sua responsabilidade com a saúde pública", criticou o parlamentar.