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Hitler mora em Bauru e jogou contra o Pelé

Por Vitor Oshiro | Especial para o JC
| Tempo de leitura: 5 min
Divulgação
Com a certidão de nascimento registrada em Itapuí em 1937
Com a certidão de nascimento registrada em Itapuí em 1937

Entre vários 'Joões' e 'Marias', um nome bem peculiar - e sombrio - se destaca no painel eletrônico da sala de espera de um consultório médico no Centro de Bauru. Quando chega a vez do referido paciente e a voz computadorizada o chama, praticamente todos que estão ali desgrudam os olhos das telas dos celulares e levantam a cabeça com uma cara de "foi isso mesmo que eu ouvi?". Sim. Todos escutaram o mesmo nome. O homem chamado é Hitler Harvey Pini.

Muito diferente da figura assustadora do seu infame homônimo, levanta-se um senhor de 87 anos e bastante risonho, com a ajuda de um cuidador - negro, por sinal - e de sua esposa, a dona Julieta Pini, nove anos mais nova que ele. "Olha que coisa, né? Tem o casal famoso Romeu e Julieta. E aqui é Hitler e Julieta", brinca ela, referindo-se à união de mais de seis décadas - impressionantes 59 anos de casamento após cinco anos e meio de namoro.

Descendente de italianos, Hitler Pini nasceu em Itapuí, no dia 7 de julho de 1937. "Quando meu pai foi me registrar, tinha um homem ali no cartório perto da gente. Meu pai perguntou como ele se chamava e ele falou 'Hitler'. Então, meu pai achou bonito e colocou em mim". Na ocasião, o líder nazista já exercia o papel de chefe absoluto na Alemanha. Era chanceler e havia absorvido os poderes presidenciais após a morte de Paul von Hindenburg, em 1934.

Aqui, um esclarecimento importante para o restante desta reportagem: o morador de Bauru afirma de forma veemente não ter qualquer afeição ao seu homônimo e nem aos princípios que o ditador defendia. "De jeito nenhum. Odeio guerra. Sou a favor do bem-estar. Tanta coisa boa pra fazer e ele (Hitler) foi atrás de guerra".

Ainda sobre a escolha da polêmica alcunha, diz que seu pai gostava muito "dessas palavras estrangeiras". Inclusive, o segundo nome teria vindo da famosa universidade norte-americana Harvard. Por aqui, virou "Harvey". Por mais incrível que pareça, o Hitler, morador de Bauru, não está sozinho. Segundo dados da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP), existem outras 133 pessoas vivendo no Brasil e que têm este mesmo nome. São 55 'Hitlers' - inclusive o desta reportagem - espalhados pelo território paulista.

NÃO PENSOU EM MUDAR?

"Hoje, é mais comum o pessoal mudar de nome. Na nossa época, não era assim. Então, nunca pensei em mudar de nome", relata Hitler Pini, reiterado por sua esposa: "Hoje que isso é mais fácil, né?".

E, segundo o casal, como os tempos eram outros (e a circulação da informação também), nunca houve tantos problemas diante do nome tão negativo. A não ser no dia do batismo.

"Logo no batizado, o padre recusou a me batizar com aquele nome. Não quis. Então, eu acabei sendo batizado como 'José'", recorda-se.

A manobra deu certo e o batismo católico saiu. Tanto que, décadas mais tarde, especificamente em 25 de julho de 1965, Hitler (nota pessoal: confesso que ainda é difícil escrever tal alcunha com naturalidade nesta reportagem) se casaria na Igreja com a dona Julieta. Orgulhosa, ela mostra as várias fotografias da cerimônia, que parecem ter sido tiradas ontem, tamanho o cuidado e a preservação. "Olha eu jovem aqui".

O REI DO FUTEBOL

Enquanto a vaidosa esposa admira a sua juventude de outrora, Hitler também relembra esse tempo com entusiasmo. Mas, com a memória em outra paixão: o futebol. "Eu jogava bola. E todo mundo falava que eu era bom, viu. Era aquele meio campo marcador, e que também ajudava os atacantes".

Questionado se era "raçudo" mesmo dentro de campo, dispara seu "maior título": "Eu joguei contra o Pelé", algo que ele, orgulhoso, repete algumas vezes durante o bate-papo.

Foram três jogos no início da década de 60 nos campos bauruenses, segundo ele. De um lado, o Barabá, de Hitler. De outro, o Bauru Atlético Clube (BAC), do Rei do Futebol. De um lado, o homônimo de uma das figuras mais emblemáticas e cruéis quando se fala em guerra. De outro, o jogador que, anos mais tarde, conseguiria o feito de parar uma guerra.

Ao fim da disputa, um empate e uma vitória para cada lado.

PALMEIRENSE

Apesar de carregar no "currículo" o fato de ter enfrentado Pelé, Hitler não fez carreira no futebol. Trabalhou, na verdade, como agente de segurança penitenciária por décadas. Mas, basta trocar algumas palavras com ele para ver como o esporte segue vivo em seu coração. "É o que eu mais gosto de fazer hoje em dia: assistir futebol na televisão".

Na sacada do seu apartamento, o emblema do Palmeiras entalhado em madeira deixa claro o time que torce. Na mesma peça, o nome Hitler também tem destaque, algo que deixaria de cabelo em pé qualquer membro da torcida 'Palmeiras Antifascista'.

HITLER E JULIETA

Além de assistir ao sagrado futebol, Hitler gosta de "tomar um vinhozinho". Algo que não tem feito com frequência por causa da saúde. Quando é este o tema, dona Julieta faz um sinal com olhos e com a boca, deixando claro não querer entrar nas particularidades do real quadro clínico perto do marido.

Mesmo assim, ela explica que a consulta médica a qual Hitler aguardava, lá no início desta reportagem, era para "tratar da cabeça", já que colocou uma válvula recentemente por conta de uma hidrocefalia.

Seja por essa razão ou pelo natural passar das décadas, não é raro a memória dele falhar durante a quase uma hora de entrevista. Nesses momentos, o casal se apoia, então, nas já citadas fotografias tão bem organizadas e conservadas.

Em uma dessas "lembranças de papel", Hitler aparece justamente na época em que fazia o Tiro de Guerra, em Bauru. Mas, o que se lê no verso desta foto não tem nada a ver com guerra. Aliás, muito pelo contrário: "A você Julieta, para sempre lembrar este, que nunca te esqueceu e que nunca te esquecerá. Hitler".

Sim. O Hitler de Bauru não era Romeu. Mas era - e continua sendo - um apaixonado por sua Julieta.

Com Julieta está casado há 59 anos
Com Julieta está casado há 59 anos

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