COLUNISTA

Tomé não sejas incrédulo mas fiel

Por Dom Caetano Ferrari |
| Tempo de leitura: 4 min
Bispo Emérito de Bauru

Tomé é o apóstolo que ficou famoso entre os cristãos porque disse: "Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas feridas dos pregos e não puser a mão no seu lado transpassado, não acreditarei". "O ver para crer", inspirado em Tomé, é a expressão símbolo dos céticos, conhecida e muito usada até hoje em dia. À noite do primeiro dia da semana, quando Jesus ressuscitado apareceu aos discípulos e lhes mostrou as chagas e o lado aberto, Tomé não estava presente. Continuando a narrar o fato, São João, no Evangelho da santa Missa deste segundo domingo da Páscoa - Jo 20,19-31 - registra que os discípulos foram contar depois a Tomé que eles viram o Senhor ressuscitado. Fo quando o turrão Tomé disse que não acreditava e, incrédulo, permaneceu por toda aquela semana. Oito dias depois, estando os discípulos reunidos na mesma casa e Tomé com eles, o Ressuscitado apareceu inesperadamente entrando na casa, muito embora as portas estivessem fechadas. Jesus, como fizera na ocasião anterior, disse aos discípulos: "A paz esteja convosco". E, logo, fitando Tomé, falou: "Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel". Sem entrar em detalhes sobre a reação, São João conta que Tomé simplesmente respondeu: "Meu Senhor e meu Deus!" Só isso e isso foi tudo e isso bastou. Tomé não precisou tirar a prova nem tocando os dedos nas chagas nem olhando de perto as feridas. E São João nem precisou registrar que, por certo, Tomé caiu de joelhos, porque com o esvaziamento do peso da máscara o espírito se levantou enquanto o corpo dobrou-se com os joelhos por terra. Essa experiência, nas narrativas bíblicas, era muito comum: "quando o espírito se levanta o corpo cai". E Jesus concluiu dizendo a Tomé: "Acreditaste porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!" Este foi o momento decisivo da conversão de Tomé. Desmascarado em público no seu ceticismo e orgulho, Tomé daria provas de sua conversão e fé pela vida que levaria e a morte que sofreria por causa do nome de Jesus.

Pode ser que nos contentemos só pelo fato do elogio de Jesus nos dizer respeito, porque temos o dom da fé sem nunca termos convivido com Ele nem O visto face a face ressuscitado como aconteceu com os discípulos. Pensar assim não está errado, ao contrário, é um pensamento bom e salutar. Mas convém lembrar que isso só não basta. Primeiro, porque a fé cristã não é uma visão ou audição ou tato ou paladar ou olfato, ou melhor, independe dos sentidos. O dom da fé conta com essas ferramentas dos sentidos, sim, mas exige muito mais. A fé cristã consiste em aceitar Jesus e os seus ensinamentos, com todo o nosso ser, corpo e alma, entendimento e sentimento, para tomarmos esta referência como a verdade pura e simples e agirmos de modo a alcançarmos a transformação integral de nós mesmos nesta verdade. Segundo, porque ainda que eu falasse línguas, realizasse milagres e profetizasse no nome de Jesus, que O tivesse visto e ouvido pregar em praças públicas, mas se não me transformasse em Jesus, sendo bom e misericordioso como Ele, estas vivências e façanhas de nada me adiantariam, pois a caridade é mais importante, a caridade é maior do que a fé e a esperança, ela permanecerá para a eternidade.

O saudoso Papa Francisco, na "Evangelii Gaudium" = A Alegria do Evangelho, afirmou que Jesus Cristo, com a sua morte e ressurreição, nos revelou e comunicou a misericórdia infinita do Pai. E que, aderindo a Jesus, devemos viver a alegria da fé e da misericórdia em comunidade de Igreja. "A Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita, onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do Evangelho" (EG,114). O Papa convidou-nos a sermos uma Igreja missionária em saída, uma comunidade de discípulos e missionários, corajosa e ousada para ir ao encontro, sobretudo, dos cristãos afastados, dos sofredores e excluídos, e anunciar-lhes a alegria do Evangelho da misericórdia (cf. EG,24).

Como ainda vivemos sob o Espírito da Páscoa, soam animadoras as palavras do Papa quando disse que a ressurreição do Senhor é força insuperável contra o medo e o desânimo diante das dificuldades, problemas e desafios emergentes no caminho da construção do mundo novo: "A ressurreição de Cristo produz por toda a parte rebentos deste mundo novo; e ainda que os cortem, voltam a despontar, porque a ressureição do Senhor já penetrou a trama oculta desta história; porque Jesus não ressuscitou em vão. Não fiquemos à margem desta marcha da esperança viva!" (EG,278).

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