MOVIMENTAÇÃO ATÍPICA

Markinho segura PLs de terrenos em medida que estranha vereadores

Por André Fleury Moraes | da Redação
| Tempo de leitura: 6 min
Pedro Romualdo/Câmara de Bauru
O presidente da Câmara, vereador Markinho Souza (MDB)
O presidente da Câmara, vereador Markinho Souza (MDB)

Em uma movimentação atípica, o presidente da Câmara de Bauru, vereador Markinho Souza (MDB), travou monocraticamente a votação de projetos de lei (PLs) envolvendo doações de áreas a empresas nos distritos industriais até segunda ordem.

A trava interrompe a deliberação da Casa sobre pelo menos seis projetos de doações de áreas que se encontram na Câmara - o último que chegou destina uma área à empresa "Cetro". Sob reserva, ex-presidentes da Câmara, vereadores e ex-vereadores afirmaram ao JC nunca terem visto medida semelhante.

A determinação ocorreu no final de março e a princípio foi verbal. Segundo apurou o JC, Markinho deu a ordem a um servidor do departamento de apoio legislativo. O funcionário, apontam relatos ouvidos pela reportagem, afirmou que não poderia fazê-lo porque as propostas passam pelas comissões e inevitavelmente acabam tendo de ser pautadas. Pediu, então, que a ordem fosse elaborada por escrito. Assim foi feito.

A orientação do presidente foi para segurar por determinado tempo projetos de empresas que obtiveram aval do Conselho de Apoio ao Desenvolvimento Municipal (Cadem) especificamente na reunião de 29 de novembro de 2024.

"Considerando a determinação de Vossa Excelência para que os projetos de lei que tratam da destinação de áreas de terreno a empresas sejam incluídos na ordem do dia somente após o envio de todas as proposituras sobre o mesmo tema que encontram-se em fase de análise na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (Sedecon) e foram aprovadas pelo Cadem em 29/11/2024, solicito que seja verificada junto à prefeitura a lista das empresas contempladas", afirma ofício de um servidor da Casa ao presidente.

Na sequência, Markinho encaminhou ofício à Sedecon pedindo "a lista das empresas cujos processos encontram-se em fase de análise na pasta, após aprovação pelo Cadem em 29 de novembro de 2024".

O titular da pasta, Jurandir Posca, respondeu afirmando que havia um processo com recurso pendente sob análise da Procuradoria do Patrimônio Imobiliário (PPI), ao que o presidente perguntou se há previsão "para emissão do referido parecer". A reportagem apurou que a determinação de Markinho para segurar e agrupar os projetos de doações ocorreu logo após um entrevero entre o presidente da Câmara e aliados do governo ligados ao gabinete da prefeita Suéllen Rosim (PSD). "Algumas situações são complicadas", admite o presidente.

A determinação que proíbe a inclusão em separado de doações de terrenos na pauta das sessões chamou a atenção da vereadora Estela Almagro (PT), que pediu informações ao presidente em ofício no qual manifesta "singular estranheza" com a medida.

"A manifestação do servidor impõe questionamentos quanto à seletividade de Vossa Excelência para a inclusão dos projetos de lei relativos a doação de áreas pelo Poder Executivo, afrontando a previsão constante do regimento interno desta edilidade que asseveram nos seus dispositivo", afirmou a petista.

Para ela, a decisão do presidente se torna ainda mais "inoportuna e injustificável", como aponta no ofício, à medida que a postura de Markinho resvala na própria Comissão de Indústria, Comércio e Agricultura da Câmara.

O colegiado, nos termos do regimento interno, é competente para "emitir parecer sobre projetos e assuntos que digam respeito ao comércio, indústria, agricultura e abastecimento e as matérias que lhes forem afins e de interesse do município".

A petista questionou Markinho sobre qual fundamento legal respalda sua determinação para mudar o trâmite de projetos de terrenos. Perguntou também se Markinho tem "conhecimento de alguma situação que contrarie o interesse público, medida que exigiria a intervenção do chefe do Legislativo nas discussões e acompanhamento dos processos". Em seis linhas, o presidente respondeu que "a inclusão [de projetos] na ordem do dia é poder discricionário desta presidência" - ao JC, contudo, garantiu que não.

Presidente sugere erro no ofício e fala em padronizar PLs 

Presidente da Câmara, Markinho Souza (MDB) disse ao JC na tarde de sexta (4) que o documento que antecede um ofício assinado por ele pode ter sido equivocadamente redigido pelo servidor. "O texto era para ele solicitar todas as áreas que tinham tramitado pelo Cadem para que nós pudéssemos colocar na pauta todas juntas". "Por que a discrepância de encaminhar para a Câmara alguns processos primeiro e outros depois?", indagou, questionando a cronologia do envio de projetos - ato discricionário do governo.

O JC questionou por que o presidente condicionou o envio de projetos à pauta justamente à liberação daqueles aprovados pelo Cadem em 29 de novembro, ao que Markinho respondeu: "porque nos quatro anos de Suéllen, foi a única reunião do Cadem. Em todo o governo Suéllen, ela não conseguiu conceder uma área. Essa foi a única". Na verdade, o Cadem já se reuniu em outras ocasiões. Há dezenas de projetos entre 2023 e 2024 que autorizam a doações de terrenos nos distritos a empresas interessadas. A ata das reuniões consta dos documentos desses projetos.

"O presidente faz a pauta. O que o presidente quer? Que todos os processos que tramitaram no dia 29, o único do Cadem em quase cinco anos, tramitem juntos na Câmara", diz.

O JC questionou se Markinho não concorda com a liberação gradual dos projetos aprovados no conselho, já que o envio de propostas é ato discricionário do governo, e o presidente afirmou que "esse ponto foi perguntado e eu estou aguardando a resposta do governo". A reportagem informou que, nos documentos a que teve acesso, não há indagação nesse sentido. "Eu realmente não consigo te explicar. Você não está entendendo", disse Markinho.

O presidente posteriormente compareceu ao JC. Disse que a medida vem para evitar questionamentos sobre por que um projeto é aprovado antes do outro. Markinho disse que recebe telefonemas de empresários com indagações do gênero.

Ele mencionou o caso de uma empresa que, em razão do número de funcionários, pôde obter uma área no distrito sem licitação. O emedebista disse que tenta explicar "muito superficialmente" os motivos. "Mas eu não quero nem receber ligação de empresário. Estou tentando evitar receber ligação de empresário", pontuou.

"Não acho interessante você estar na Câmara e ter empresário te cobrando. Sendo assim, eu já determinei que todos [os projetos] tramitem juntos", disse. Questionado sobre se não era o caso de ter dialogado antes com o governo para discutir o problema, o presidente afirmou que já chegou a acionar o chefe de gabinete, mas que não obteve retorno. "[O chefe de gabinete] falou que precisava ver e não veio nada oficial", criticou.

Neste sábado (5), o vereador reiterou à reportagem que a definição da pauta é ato discricionário do presidente. "Insisto que definição da pauta é da discricionariedade do presidente do legislativo. O presidente é o único membro da Câmara que não pode participar de nenhuma comissão. Para ter acesso às informações que contribuam para a definição da pauta, o presidente se respalda no o Art. 17 inciso II alínea h - das suas atribuições, ou seja, 'solicitar informações e colaborações técnicas para estudo de matéria sujeita à apreciação da Câmara'”.

“Insisto que definição da pauta é da discricionariedade do presidente do Legislativo. O presidente é o único membro da Câmara que não pode participar de nenhuma comissão. Para ter acesso às informações que contribuam para a definição da pauta, o presidente se respalda no art. 17 inciso II alínea, que atribui à presidência solicitar informações e colaborações técnicas para estudo de matéria sujeita à apreciação da Câmara"

Comentários

Comentários