
"Eles disseram que era normal e que ia passar". É o que a família de Laísa Angélica Motta Silva, 23 anos, moradora de Bauru acometida pela forma grave da dengue, relata ter ouvido de equipes de saúde da UPA Bela Vista, enquanto a jovem travava uma luta inglória pela vida, por horas sem tratamento à espera de um leito de internação. As secretarias municipal e estadual da Saúde se manifestaram sobre a morte dela.
O marido Willian Barreto, os pais Silvana Motta e Luis Antonio Silva, os irmãos Tiago, Tais e Luis Henrique afirmam ter confiado na informação prestada pelos profissionais de saúde e esperavam poder levar Laísa, a caçula da família, de volta para casa. Mas não foi o que aconteceu.
Laísa Angélica Motta Silva, 23 anos, era operadora de telesserviços e tinha o sonho de ser mãe (Foto: Arquivo pessoal)
Operadora de telesserviços, frequentadora de academia, saudável e com planos de realizar o sonho de ser mãe em breve, a jovem manifestou os primeiros sintomas da doença em 16 de março e morreu seis dias depois, no último sábado (22). "Sei que nada vai trazer minha filha, mas espero que tomem providências e não deixem isso acontecer com mais ninguém, porque é um sentimento horrível, muito doído, estar em um lugar com médicos e ver uma filha morrer desse jeito", lamenta Silvana.
No dia 20, já com o diagnóstico e tomando remédios prescritos, Laísa foi à UPA Bela Vista após sofrer sangramento vaginal fora do período menstrual e convulsionar. "A UPA estava lotada e não tinha sequer cadeira de rodas para ela sentar", relembra a mãe, que estava acompanhada de Luis Antonio e Willian.
ESPERA
Depois de ser medicada, a jovem recebeu alta mas, ao retornar para pegar o resultado do exame de sangue, descobriu que estava com contagem de plaquetas em 40 mil por microlitro de sangue - o nível normal é de 150 mil a 450 mil.
Na unidade, ela ainda aguardaria por mais de 30 horas até a liberação de uma vaga de internação no Hospital das Clínicas.
Neste período, conforme consta no prontuário da paciente, os hospitais de Base e Estadual negaram o leito sob a alegação de não serem unidades de referência para casos de dengue. Segundo a mãe, entre a primeira solicitação, por volta de 20h do dia 20, e a transferência para o HC, às 5h do dia 22, a família enfrentou momentos de desespero e implorou pelo salvamento da vida de Laísa.
"A vaga deveria ter sido pedida quando informamos que ela tinha convulsionado e sangrado", aponta Silvana, que passou as duas noites com a filha na UPA.
Na primeira, a jovem vomitou e, mesmo assim, durante oito horas e meia, não recebeu sequer soro na veia para hidratação, informa a mãe. "Passei a noite chamando as enfermeiras, que verificavam a saturação, a pressão arterial e diziam que ela estava bem".
AGRAVAMENTO
Com piora da capacidade respiratória e hemorragia na boca, a paciente passou a receber soro por volta de 5h40, mas só voltou a ser avaliada por um médico às 11h. E mesmo quando ela já apresentava confusão mental, tontura, inchaço e dificuldade para se comunicar, a família relata que continuou sendo informada de que o quadro de saúde era "normal". "Questionei e ouvi: é normal e já vai passar", reforça Luis Henrique. "É um total descaso das pessoas que comandam a nossa cidade", acrescenta o pai. Laísa só foi reavaliada por um médico à noite e acabou sendo levada à 'sala vermelha' da UPA, onde foi intubada na madrugada do dia 22.
Por volta de 5h, foi transferida para o Hospital das Clínicas e sofreu uma parada cardiorrespiratória no trajeto. "Conseguiram reanimá-la e, no HC, aspiraram as vias respiratórias e tiraram bastante sangue preto, coagulado, um sangramento de dois dias atrás, segundo o médico, que ninguém viu. O estado era gravíssimo, com fígado e rins comprometidos e teríamos de esperar por um milagre", conta o irmão. Laísa morreu às 16h17 por dengue, choque hipovolêmico e hepatite aguda.
Saúde e HC se manifestam
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde informou que, com base em protocolos que seguem diretrizes do Ministério da Saúde, investiga a morte de Laísa. "A secretaria lamenta profundamente a ocorrência deste óbito suspeito de dengue e se solidariza com os familiares e amigos da paciente", diz o comunicado. O HC também lamentou a morte de Laísa, esclareceu que a vaga de internação foi liberada às 3h26 do dia 22 e que a paciente deu entrada na unidade por volta das 5h em parada cardiorrespiratória. "A equipe médica iniciou, de forma imediata, manobras de reanimação cardiopulmonar e, apesar das medidas institucionais adotadas e do suporte clínico integral prestado ao longo do dia, a paciente apresentou piora progressiva do quadro, evoluindo a óbito às 16h12 do mesmo dia", acrescentou. Segundo a Secretaria de Estado da Saúde, a busca por vagas se dá via Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde (Cross), a partir de um sistema online que funciona 24 horas por dia e busca vaga no hospital mais próximo do paciente, com capacidade para cuidar de cada caso e prioridade aos mais graves e urgentes.