Nos bastidores da política há cacoetes que se repetem quase como rituais. São gestões que por vezes passam despercebidos pelo grande público, mas exercem um impacto significativo nas práticas democráticas. Um desses cacoetes, que particularmente me incomoda, é o comportamento - ou a ausência dele, a bem da verdade - de certos vereadores.
Testemunhei um exemplo claro dessa questão ao assistir à sessão do dia 10 de março deste ano. Em certo momento, o vereador José Roberto Segalla, corretamente, solicitou a suspensão dos trabalhos ao constatar a ausência de quórum em plenário. Fisicamente estavam apenas seis parlamentares, em uma sessão que o tema central era a abertura de uma Comissão Processante. Desatento, o presidente ficou visivelmente constrangido. A sessão foi inevitavelmente suspensa, sem maiores consequências, como se fosse algo trivial. Essa aparente normalidade, contudo, é justamente o ponto que questiono.
A falta de compromisso com o processo de discussão vai além da simples ausência física. É uma ausência conceitual, uma falta de interesse genuíno em participar do debate público. Mais do que uma falha pontual, essa ausência do plenário - física e conceitual - é parte de um hábito que parece impregnar nossa cultura política. Não se trata apenas de um lapso administrativo, mas de uma postura que se revela cada vez mais comum nas câmaras legislativas: a passividade deliberativa e a falta de compromisso com o processo.
Quando a sessão é suspensa por falta de quórum, sem uma justificativa clara sobre o que é mais importante do que estar ali, a mensagem que se transmite é de descompromisso com o papel central da deliberação. Esta cena tem sido recorrente, lamentavelmente, e reforça a imagem de um "Olimpo" político, onde os deuses estão afastados dos dramas humanos e onde o plenário se torna apenas um cenário simbólico, enquanto a verdadeira política parece ocorrer nos bastidores, longe do olhar público.
Essa falta de transparência é um aspecto central do problema. Não sabemos, na maior parte das vezes, o que os parlamentares estão fazendo quando não estão em plenário. Estão resolvendo questões de interesse público? Estão reunidos com seus eleitores ou participando de outras atividades legislativas relevantes? Ou será que essas ausências refletem uma hierarquização equivocada das prioridades, onde os compromissos pessoais e partidários se sobrepõem ao dever público?
A ausência de transparência mina a confiança no processo democrático e reforça a percepção de que a política é um jogo de cartas marcadas, onde as verdadeiras decisões são tomadas longe do alcance da sociedade.
E essas minhas impressões, sim, são legítimas! Prova máxima disso foi a sessão da Câmara Municipal do último dia 24 de março. Nos porões articulou-se o teatro de uma "questão de ordem" para então descumprir o Regimento Interno e, na sequência, aprovar um Projeto de Lei que aprovou um empréstimo pelo DAE, sem qualquer discussão. Tudo foi feito às pressas, à revelia das regras do jogo e, pior, com um parecer de regularidade de tramitação tão somente ungido.
Precisamos, urgentemente, refletir sobre essa cultura de passividade deliberativa e de falta de compromisso com o processo, sem questionamento e sem protagonismo, independentemente de ser governo ou não. A política local, mais do que nunca, exige presença ativa, tanto física quanto conceitual, no sentido de propor e deliberar. A situação é vergonhosa. Ocupar um assento na Câmara implica aceitar o "fardo" de estar em Plenário, com o corpo e com a alma.
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