
Os planos do governo Suéllen Rosim (PSD) para a concessão do sistema de esgoto de Bauru esbarram em seis problemas que ameaçam o desfecho do certame nos termos defendidos pela administração desde o início das discussões, em 2023.
A ideia inicial era aprovar o projeto na Câmara em julho de 2023 e lançar o edital ainda em agosto. Nada disso aconteceu: o texto só passou em maio do ano passado e o certame só foi publicado em dezembro.
A prefeitura já não tem poder sobre parte desses apontamentos, hoje nas mãos de órgãos de controle externo como o Tribunal de Contas de São Paulo (TCE-SP). Em outros casos, contudo, eventuais mudanças ainda passam pelo crivo do município.
Suspensão no TCE
O edital para a concessão do serviço de tratamento do esgoto prevê a modalidade de licitação com a combinação de dois fatores: menor valor de tarifa (peso 30/100) e melhor técnica (peso 70/100) como critério de julgamento do melhor candidato.
O critério "técnica", porém, é subjetivo: quem define a melhor técnica, afinal? É o que questionam potenciais interessados, entre os quais a Aegea - autora da representação ao TCE que culminou na suspensão do edital em janeiro. O mesmo ocorreu com o pedido de impugnação formalizado pelo ex-vereador Coronel Meira (Novo).
Em ambos os casos a Assessoria Técnica-Jurídica (ATJ) do TCE concluiu pela procedência parcial das impugnações ao edital. O Tribunal deve decidir se anula, determina mudanças ou mantém o edital dentro de algumas semanas.
ETE judicializada
Outro aspecto - que conversa com os apontamentos em torno do edital - envolve o canteiro de obras da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Vargem Limpa, cuja construção iniciou-se ainda em 2015 e segue inconclusa até hoje. Em 2021, o atual governo rompeu com a empreiteira COM Engenharia - que foi à Justiça para contestar a rescisão.
O processo tramita desde 2021 sem desfecho até agora. Como ninguém sabe o verdadeiro estado das obras, o Judiciário determinou uma perícia na ETE. A conclusão dos técnicos foi de que a retomada das obras - principal obrigação da potencial concessionária do esgoto - exige uma revisão completa dos projetos executivos e estruturais.
O governo, porém, contestou o resultado e pediu a realização de um novo levantamento, medida que, se admitida, pode estender em mais pelo menos um ano a liberação de qualquer obra na ETE.
Neste caso, embora a própria ETE tenha sido e ainda possa ser novamente alvo de perícia, o edital obriga interessados a apresentar panorama sobre o estado das obras - medida criticada pela Aegea, a quem não há sentido atribuir à concessionária a responsabilidade nesse sentido.
Possível aumento
Também entra nesse cálculo um dado do próprio Departamento de Água e Esgoto (DAE) que aponta, segundo projeções, para um déficit de até R$ 90 milhões daqui a três anos com a perda de receitas para a potencial concessionária do esgoto.
O orçamento da autarquia pode cair de R$ 229 milhões em 2027 para R$ 148 milhões em 2028 num cenário que não prevê redução de despesas e que, se confirmado, pode implicar em reajuste de até 70% sobre a tarifa a partir de então. A autarquia aposta em "ações estratégicas" de redução de gastos, mas não há nada engatilhado por ora.
A informação contrasta com o que disse a própria Fipe, que modelou a concessão e disse em 2023 que o projeto não afetaria a saúde financeira do DAE. Também vai em sentido diametralmente oposto ao que disse o ex-presidente da autarquia Leandro Joaquim naquele mesmo ano, de que a tarifa seria reajustada em no máximo 15%. Vereadores, aliás, já têm sido acionados por munícipes temendo reajustes pesados sobre a conta.
Drenagem
Uma nova norma regulamentadora da Agência Nacional de Águas (ANA), publicada há cerca de uma semana, diz que projetos de drenagem devam estar conectados aos planos de água e esgoto dos municípios. O atual projeto da concessão prevê "piscinões" na Nações Unidas a título de contrapartida - mas é um projeto independente do sistema de saneamento municipal. O TCE pode determinar mudanças no escopo de Bauru.
Verba ameaçada
Outro aspecto que preocupa a prefeitura envolve o uso dos R$ 100 milhões que o governo federal deu a Bauru a fundo perdido. O prazo para usar a verba já expirou, e a prefeitura tem de pedir sua prorrogação anualmente. Em caso de atraso excessivo, contudo, Bauru poderá ser obrigada a devolver o montante com juro e correção monetária.
Impasse em SP
O alto escalão da Prefeitura de Bauru também tem sido pressionado a incluir a água no objeto de concessão, que atualmente só versa sobre o sistema de esgoto. Como mostrou a coluna Entrelinhas em fevereiro, há a avaliação no governo estadual, de que projetos de concessão devem seguir as diretrizes do Palácio dos Bandeirantes - que incentiva concessões completas, e não parciais, de saneamento básico.
Suéllen: eventuais mudanças serão acatadas, mas não há 'plano B'
A prefeita Suéllen Rosim (PSD) disse ao JC nesta sexta-feira (21) que o governo está aberto a eventuais ajustes determinados pelo Tribunal de Contas (TCE) sobre o edital. Antecipa, porém, que aguarda uma decisão final da Corte e que não há "plano B" à concessão, que ocorrerá independentemente de possíveis mudanças. "Se forem necessários ajustes no projeto, a gente vai fazer até dar certo", afirma.
A prefeita diz que "não se aprofundou muito no que foi enviado ao TCE" mas que, "numa análise prévia, o cenário é positivo para o município". "Acho que pequenos ajustes necessários vão ser feitos", pontua. "Agora, se o Tribunal de Contas determinar ajustes que eventualmente inviabilizem [o edital], lógico que a gente vai sentar e tentar fazer da melhor forma possível", acrescenta.
Sobre a disputa com a COM Engenharia e uma possível nova perícia na ETE, Suéllen diz que a solução neste caso envolve também articulação política. "Vamos trabalhar para ter agilidade nesse processo. Despachar com quem for preciso e encontrar uma saída para não prejudicar a retomada das obras [da ETE]" observa. "Quanto mais a obra ficar parada, pior", lamenta.
Com relação à nova norma de drenagem, a prefeita afirma que ainda não analisou o texto. Adiantou, porém, que possíveis alterações no projeto não estão descartadas. "É natural que mudanças sejam feitas para seguir [novas] legislações", pontua.
Já quanto ao prazo relacionado ao convênio da ETE, que prevê recursos a fundo perdido, a mandatária disse que o governo pediu repactuação durante um período "suficiente para a gente passar esse processo junto ao TCE e colocar esse edital no mercado novamente".
Sobre o possível reajuste na tarifa do DAE, Suéllen descarta qualquer elevação brusca no valor. "Não existe discussão alguma. É humanamente impossível fazer um reajuste desse porte. O que o DAE precisa fazer é uma série de ações [para equacionar receita e despesa]".
Uma delas já está engatilhada, diz a prefeita, e envolve um Programa Extraordinário de Recuperação Fiscal (Refis) para incentivar a quitação de dívidas - o DAE tem mais de R$ 15 milhões em aberto.
O restante, contudo, ainda envolve planos futuros, como a redução na conta de energia com a criação de uma usina fotovoltaica, por exemplo, e a troca de hidrômetros.
Suéllen também admite que o governo não descarta conceder a água, como tem cobrado o governo estadual, mas diz que isso depende do trabalho do próprio DAE Bauru.
"Nesse primeiro momento, nós precisamos resolver o esgoto e um próximo passo, mais urgente, a revisão do Plano Diretor de Águas", pontua. "Isso vai balizar se serão necessários investimentos privados ou não lá no futuro", emenda.
Se o problema de abastecimento persistir, por exemplo, aí, sim, a administração incluirá a água nos planos de concessão. Isto, porém, será analisado futuramente. "Cada cidade tem sua peculiaridade", diz Suéllen.