ENTREVISTA DA SEMANA

Irene Rodrigues Figueiredo: Benzedeira centenária

Por Tisa Moraes | da Redação
| Tempo de leitura: 5 min
Arquivo Pessoal
'Não tomo remédios, nunca quebrei um osso, nunca tive Covid, dengue. Não tem segredo. É ter fé em Deus e viver com alegria'
'Não tomo remédios, nunca quebrei um osso, nunca tive Covid, dengue. Não tem segredo. É ter fé em Deus e viver com alegria'

Comemorando 100 anos de vida nesta semana, Irene Rodrigues Figueiredo é dona de longeva trajetória marcada pela fé, sabedoria, alegria e generosidade. Natural de Bauru e filha de pioneiros da cidade, ela tornou-se benzedeira aos 20 anos, seguindo os passos de sua sogra, uma mulher com raízes na tradição portuguesa.

Ao longo de 80 anos de prática, Irene nunca cobrou por seus serviços, acreditando que a cura espiritual, seja para um quebrante ou um mau olhado, não pode ter preço. Suas mãos e palavras trouxeram alívio para um número incontável de pessoas e até animais.

É filha de Lázaro Rodrigues, um dos primeiros vereadores de Arealva, e Brígida Amélia Quaggio Rodrigues, oriunda da família que fundou a Empresa Circular Cidade de Bauru (ECCB). Ambos dão nome a ruas da cidade.

Ao lado de seu falecido marido, Nelson Figueiredo, com quem teve os filhos José Nelson (in memoriam) e Dalton, a benzedeira também dedicou-se aos cuidados da casa e da família, incluindo as cinco netas e os sete bisnetos.

Em seu centenário, ela afirma que o segredo da longevidade está na fé em Deus e na alegria de viver e segue mantendo-se ativa, saudável e autônoma. Nesta entrevista, Irene revisita sua origem no sítio, revela detalhes de sua vida conjugal e familiar e conta sobre sua dedicação ao benzimento. Leia abaixo trechos de uma vida celebrada com festa, no último domingo (9), que reuniu cerca de 100 pessoas, entre familiares e amigos.

JC - Onde a senhora nasceu e cresceu?

Irene - Em sítio, onde hoje é o Jardim da Grama. Eu ajudava a carregar caminhão, carpia, roçava, tinha muito gado e nós bebíamos leite com farinha de milho, uma delícia. Meu avô paterno veio de Minas Gerais e fez um cafezal. Depois cortou e fez outro em Val de Palmas. Bauru ainda estava começando a se desenvolver. E meus avós maternos são imigrantes italianos que chegaram quase na mesma ocasião na fazenda Morro Grande, aqui na região. Ia começar a fazer a ferrovia da Noroeste e meu avô comprou a área onde é a Vila Quaggio, em Bauru.

JC - Morando no sítio àquela época, conseguiu estudar?

Irene - Na minha infância, abriu uma escola, mas só fui seis meses, porque a professora morava longe, achava ruim ir até lá e desistiu. Nós fomos crescendo e meu pai decidiu mudar para a cidade, porque não queria criar um monte de filhos sem saber ler. O pai dele já estava em Bauru e foi ele quem doou para a Igreja a área onde é a Catedral do Divino Espírito Santo. O nome foi escolhido por ele, porque tinha vindo da cidade de Espírito Santo, de Minas. Quando meu avô morreu, meu pai ficou com parte da terra dele e comprou uma casa aqui. Eu já tinha 11 anos e me achava velha para começar a estudar. Então, ele comprou uma cartilha e, depois do jantar, fazia a gente estudar e tirava a lição. E aprendi tudo, a fazer compras, ir ao banco, tudo.

JC - A senhora conheceu o marido em Bauru?

Irene - O pai dele era chefe de estação na Noroeste e comprou uma casa próxima da nossa, só que cada uma ficava de um lado do rio. Eu era trabalhadeira, de boa família, e ele falava todo dia para o Nelson que ele deveria se casar comigo, antes que eu arrumasse outro namorado, porque moça igual nunca mais ele iria achar. O pai dele e ele foram em casa para tratar do casamento com meus pais, começamos a namorar, mas o Nelson foi trabalhar em um escritório em São Paulo. Então, eu escrevia uma carta por mês para ele e ele respondia. Um ano depois do início do namoro, quando eu tinha 20 anos e ele, 22, nos casamos. Seis meses depois, fiquei grávida do primeiro filho.

JC - E a senhora dedicou a vida a cuidar da família?

Irene - Fazia o serviço de casa e costurava tudo que tinha para costurar em casa. Também costurei para fora, mas pouca coisa. Tenho a máquina até hoje e continua novinha, mas não costuro mais porque não enxergo. E cuidei da família, do marido, dos filhos, da minha sogra, que era uma mulher boa. Hoje, ajudo a olhar meus bisnetos, que são adolescentes, quando meus netos estão trabalhando.

JC - Como foi que tornou-se benzedeira?

Irene - Quando eu era criança, a dona Maria, mulher do João, que trabalhou para meu pai, era benzedeira e eu disse para minha mãe que, quando crescesse, iria ser benzedeira. E logo que casei com o Nelson, fomos morar em São Paulo com meus sogros e, quando decidimos voltar para Bauru, meu sogro morreu. Então, em Bauru, cuidei da minha sogra, Glória, até sua morte, em 1987. E ela era benzedeira, criada na casa dos padres em Portugal. Ela ficava benzendo e eu, observando, aprendi. No sítio em que a gente morava aqui, enchia de gente e, quando ela estava ocupada e não podia atender, eu benzia. Eu benzo quebrante, mau olhado e até hoje vai gente em casa, de adultos a crianças e até cachorro. É uma criança que precisa passar de ano, uma pessoa que vai fazer uma prova para um emprego. Uso três folhas de guiné e arruda e, quando não tem, uso outra folha verde. Falo que tem de pedir para Jesus, que é muito caridoso, jogo as folhas ao vento para ele levar o que achei de ruim na pessoa para longe e é raro não dar certo. E eu não cobro nada. Não pode cobrar coisa de Deus. Se cobrar, não vale o benzimento.

JC - Alguém na família além da senhora chegou aos 100 anos? Qual o segredo desta longevidade?

Irene - Só eu, tanto da família paterna quanto materna. Sou a segunda de dez irmãos e, hoje, estão vivas apenas quatro mulheres. Além de mim, as outras tem entre 75 e 80 anos, vivendo bem também. Nunca liguei e até hoje não ligo muito em cuidar da saúde, mas não tomo remédios, nunca quebrei um osso, nunca tive Covid, dengue. Moro com meu filho Dalton, mas tenho minha casa ao lado, rego minhas plantinhas, varro o chão, lavo minhas roupas, coloco as coisas no lugar e fico ouvindo notícias no rádio. Então, não tem segredo. É ter fé em Deus e viver com alegria.

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