Desde que nascemos estamos em atividade permanente para executar tarefas que nos levam ao desenvolvimento de etapas cheias de aprendizados, conquistas, fracassos, frustrações, e o que difere uma fase da outra deverá estar em sintonia com o estado mental onde nos encontramos, assim como de que maneira articulamos as trocas, uma vez que é esta forma que norteará a fase que o sujeito se encontra, que implica o sucesso de tarefas implícitas de cada período.
Passamos a vida tentando entender quem somos, do que gostamos, e o que queremos para a própria vida. Enfim, são tantas as demandas que temos que dar conta que, cada vez que nos ocupamos com coisas que não são nossas ou em ser quem não somos, um novo investimento libidinal terá que cumprir duplamente a ambivalência do "eu" e do não "eu" contido nesta tarefa subserviente que nos distancia de nós mesmos, para sermos um outro que apresentaremos socialmente, demandando duplo investimento de natureza moral baseado numa proteção enganosa.
Buscar quem de fato somos já é uma atividade que exige investimento e conquista permanente, e no percurso do desenvolvimento, necessitamos olhar profundamente para nós mesmos, e ainda que seja um trabalho constante, às vezes cheio de repetições neuróticas, será sempre carregado de dúvidas e sem garantias, sem termos uma exata compreensão de quem de fato somos, e para que estas conquistas sejam duradouras, devemos investir em olhar dentro, tarefa que exige a manifestação de um ego que se entendeu e experenciou as verdades sobre si mesmo, sejam elas quais forem.
A intimidade que surge deste contato nos faz, a partir do contato com um outro, desejar relações genuínas, presentes, e sem pretensão de se tornar alguém que não se é, mas busca uma individualidade que conquistou a partir desta experiência, porque ao contrário, transbordam um não ser que ainda não se pertence, enjoa.
Pertencer a si mesmo é fruto de uma conquista do autoconhecimento, onde as aparências não tem lugar e espaço para existência.
Mas como de fato podemos conquistar este estado mental sem cuidar da própria individualidade?
Num ambiente extremamente poluído e com necessidade de viver de aparências, onde as narrativas do sofrimento não têm espaço, convertemos os aprendizados em aparências, e deixamos de transformar as vivências em potencial de mudança interna, vivendo um não eu que se contenta de aparência.
Integrar o amor e o ódio, o eu do outro, implica ter o desejo de entender o quanto estas diferenças poderiam acontecer a partir da integração de afetos que nascem do desejo de amadurecimento e da escuta de nós mesmos.
Se pertencer é isto, ser, independente do que está do outro lado, sendo para si e para o outro.
As aparências enjoam porque, no encontro com o outro, não reconhecemos ele mesmo, e sim uma imagem que foi construída para dar conta de uma sociedade adoecida que vive de aparências, um mal estar contemporâneo que nos adoece, nos distancia de nós mesmos, e ao mesmo tempo, o que não gostamos de nós mesmos.
Música "Killing Me Softly with His Song", com Roberta Flack.