OPINIÃO

O Homem-Deus

Por Roberto Magalhães | O autor é professor de redação e autor de obras didáticas e ficcionais.
| Tempo de leitura: 3 min

Deus, na sua onisciência, criou o homem que, como todo mundo sabe, aprontou no paraíso por ter comido o que não devia. E aquela irresistível maçãzinha não foi comida apenas por ele, a Eva mastigou junto. Deram tantas dentadas no fruto vermelho, carnoso e túrgido, que acabaram expulsos da vida paradisíaca. Pior, foram condenados a comer eternamente o pão com suor do próprio rosto (Genesis 3:19). Pra quem andava comendo aquela deliciosa maçãzinha, o pão suado e salgado foi castigo pra ninguém botar defeito.

Só que o pecado dos dois escorregou deles e grudou em toda a humanidade. É que, segundo a revelação católica, todo o gênero humano está num corpo só - "sicut unum corpus unius hominis". Por isso, todos já nascem com o pecado no lombo e na alma. Pouco importa se apenas um comeu, a conta deve ser paga por todos e fim de papo.

Perdido o paraíso, Adão e Eva, não tendo outro endereço, vieram morar aqui na terrinha. Premido pelas necessidades diárias, Adão, depois seus descendentes, resolveram ser Deus. Então começaram a inventar tudo que imaginassem. Primeiro, o homem descobriu as ferramentas de pedra lascada, que funcionaram muito bem para cortar lenha ou para se defender de inimigo ou de animal. Depois, o fogo, aí a coisa esquentou. Fogueiras aqueciam-lhe o corpo em noites frias de conversa fiada. Foi assim que surgiu o churrasco, hábito mantido até hoje com cachaça e cervejinha.

Depois, veio a roda que teria sido a maior descoberta humana. Mas, como explicou o genial Millôr, no início a roda foi uma decepção. Não servia pra nada. Só, para rodar. O grande lance foi quando o homem descobriu que sobre as rodas poderia transportar pesadas cargas. Mas isso ainda não era tudo, faltava um detalhe, logo resolvido. Colocaram um homem pobre para puxar a carroça. Foi assim que começou a exploração do trabalho alheio.

O homem não parou mais de inventar. Zíper, relógio, fotografia, controle remoto, rádio, automóvel, avião, foguetes, bombas, viagra, brinquedinhos interessantes e máquinas de todos os tipos, que tornaram a vida bem mais fácil para todos e altamente lucrativa para poucos. Agora, a última invenção está deixando todo mundo de cabelo em pé: a inteligência artificial.

Aliás, uma burrice!

Como a inteligência humana foi inventar outra mais inteligente do que ela? A gente sabe que quem manda é o mais inteligente ou tem mais dinheiro. E uma coisa geralmente leva a outra. Então, num breve futuro, o mundo será das máquinas pensantes. Tudo farão e decidirão. E o burro do homem o que fará? Até o presente momento, a gente tinha as rédeas do controle tecnológico, agora começamos a não ter mais. Desemprego em massa, crimes cibernéticos, desinformação, a questão dos direitos autorais, avatares, armas poderosas, o inferno bate à porta.

E, meu Deus, que história é essa de "transumanismo"? Segundo o filósofo Francis Fukuyama, essa é a maior ameaça que a humanidade terá de enfrentar. A proposta é aperfeiçoar o ser humano, submetendo-o às mais diversas intervenções biotecnológicas. Teremos inserções de dispositivos cerebrais, novas interfaces neurais, modificações genéticas, membros biônicos, exoesqueletos, tudo para criar o homem perfeito, um "ciborg" pra ninguém botar defeito.

Seremos um misto de carne, chips, ossos, sangue, circuitos eletrônicos, órgãos artificiais, próteses e botões de regulagens corporais. Essa busca da eugenia já começa a cheirar mal, por lembrar as ideias hitleristas. Avanço ou retrocesso? Credo!

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