O bem e o mal são conceitos que se relacionam com a divisão do psiquismo e o conflito entre forças opostas que nos atentam a pensar em lados que nos convidam a reprimir desejos agressivos que tornam a vida em sociedade possível.
Enquanto a pulsão destrutiva não é elaborada tornando o sujeito consciente de suas forças internas, ainda que sem ter consciência da presença e existência do bem e do mal, atribui-se ao outro a culpa por meio da projeção daquilo que não consegue perceber como seu também.
Na experiência humana sobrevivemos a questões que nos angustiam à medida que nos entendemos e nos apropriamos da nossa própria subjetividade como um percurso que possibilita olharmos através das próprias atitudes, entendendo sobre nós mesmos e porque agimos de determinada maneira.
É por meio da capacidade de estar só que experenciamos uma convivência que não é moldada por expectativas ou normas sociais, mas que nasce do próprio diálogo interno que acessa e cultiva a essência do que podemos vir a ser quando nos permitimos autoconhecimento.
Numa sociedade interessada naquilo que se esvai e que não se permite ter tempo para estabelecer comunicação com a própria subjetividade e interesses que se articulam com um estado mental que se reconhece e se apropria de si mesmo, constatamos as consequências de um modo de ser desarticulado da conexão com o eu, e vemos pessoas doentes num mundo cada vez mais interconectado, com pensamento grupal e coletivo que dominam e não dão espaço para pensarmos no poder do pensamento individual e do potencial transformador da solidão como possibilidade para reconhecermos o que nos domina, um mundo cheio de barulho, distraído e anestesiado para distinguir o bem e o mal.
Fisgados por uma sociedade cheia de urgências e desejos destrutivos, esquecemos do que de fato necessitamos assim como o que viemos fazer por aqui, adoecemos.
Além do bem e o mal existe o próprio consentimento em acessar o cerne da questão e permissão interna para fazer escolhas que se integram com propostas que nos aproximam da própria existência, um modo de ser desarticulado de interesses, entendendo a partir de então quem somos e para o que nascemos. Do contrário, continuamos a reproduzir atitudes sem compreensão genuína de nós mesmos, cada vez mais adoecidos e distantes do próprio eu.
Música "Dueto", com Chico Buarque e Clara Buarque.
A autora é psicanalista, especialista pela USP – Departamento de Psicologia, Psicóloga Clínica formada pela USC, responsável pelas páginas Cinema e Arte no Divã e Auguri Humanamente