Sexta-feira me sinto invadido. Pior, ameaçado. Dia de faxineira. Ela chega com pano, balde, vassoura, detergente, vinte braços, quarenta pernas numa fome de limpeza que me assusta. A casa fica pequena, não existe um cantinho onde eu possa ficar. Maldosa, ela começa o serviço justamente pelo escritório. Sabendo que meu prazer matinal é escrever poesia, ela invade o meu espaço poético, com um seco "dá licença, vou começar por aqui, a sujeira tá demais." Interrompo o verso, esqueço a rima, desligo o computador e cabisbaixo vou pra sala. Mal lá me acomodo, ela chega vassourando tudo. Abandono o conforto do sofá, desligo o Corinthians e vou pra cozinha, que ovo cozido de manhã, depois da poesia, me faz um homem feliz. Quando menos espero, ela já me descobriu, fazer o quê? Apago a chama do ovo e saio emputecido pro fundo do quintal.
No quarto, na sala, no banheiro, na área de serviço, no corredor, em lugar nenhum da casa cabemos os dois. Ela sempre atrás de mim. Nessa caçada obcecada, ela é o esperto gato e eu, o lerdo rato. Desesperadamente, a única coisa que quero é um buraco pra sumir. Fujo o tempo todo e lhe peço desculpas por estar atrapalhando e ocupando algum espaço da casa que, por direito cartorário, é meu. Minto, na sexta-feira a casa é dela. Não existe pior dia na semana, é humilhante. Me sinto expropriado, desalojado, um sem-teto sem direito a protesto, um vagabundo inoportuno fugindo do espanador.
Agora vem o pior. Com que despudor ela invade a minha intimidade. Vasculha as minhas gavetas, revira o guarda-roupa, recolhe as minhas roupas íntimas, lava a privada, escova o bidê... E tudo faz com tal descaso, como se a minha intimidade fosse terra de ninguém, coisa que me chega a ofender. Desisto do fone de ouvido, quando ela liga o ronco do aspirador de fazer as paredes da casa tremerem. Não vejo a hora de lhe pagar a diária, dizer muito obrigado, Dona Maria, dá um abraço no marido Tião e até sexta que vem, se Deus quiser. E Ele sempre quer. Ela se despede secamente, avisando que, na virada do ano, a faxina vai subir. Aceno um tudo bem e, finalmente, tranco a porta da sala. Ah, como é bom esse momento de reintegração de posse, volto a ser o legítimo proprietário dessas paredes tão minhas. Depois dou uma geral na casa, constato que tudo está limpo, perfumado e desinfetado, cheirando à lavanda. Tudo em perfeita ordem, menos eu, que continuo inseguro, achando que qualquer dia o pior vai acontecer. Do jeito que ela mexe em tudo e me vasculha, e me xereta nas manchas da cueca e nas nódoas no lençol, fatalmente descobrirá as sacanagens que tenho feito nas noturnas quintas-feiras, vésperas da faxina. Fico imaginando os castigos da bíblia que, segundo essa representante das almas limpas, estarão me esperando no dia do juízo final. Na verdade, o que faço nas quintas é coisa que todo cristão faz, ninguém tem culpa de a carne ser fraca. Por isso, faço um churrasquinho. E umas coisitas mais... Mas ela, religiosa e defensora dos costumes, vai ficar horrorizada com o sem-vergonha que eu seria, mas não sou.
Tenho pensado em trocar de faxineira, não me agrada a ideia desse nariz xereta que, toda sexta-feira, vem me cheirar. Ando muito preocupado, não consigo medir até onde esse focinho indiscreto possa em mim se enfiar.
O autor é professor de redação e autor de obras didáticas e ficcionais