ATITUDE

'Você pode herdar o padrão de sonho dos seus pais'

da Redação
| Tempo de leitura: 5 min

Se você tivesse que adivinhar com o que seus antepassados sonhavam, o que imaginaria? Carruagens, igrejas, animais selvagens, lugares isolados... De acordo com o neurocirurgião e neurocientista Rahul Jandial, nossos sonhos são muito mais parecidos com os deles do que poderíamos pensar. O médico compilou décadas de pesquisa no livro "Por que sonhamos" (Editora Sextante) para tentar desvendar um pouco mais desse universo em que entramos todas as noites sem saber o que esperar. Em entrevista, ele fala sobre como fica o nosso cérebro nesse processo e o que os pesadelos nos mostram sobre nós mesmos.

Por que sonhamos?

A resposta para por que sonharmos é baseada no que é liberado naquele estado cerebral. Não é um momento tranquilo para o cérebro. Ele não descansa. O cérebro desliga o corpo para que possa liberar o sonho. Acho que sonhamos para manter todos os cantos da nossa mente, todos os neurônios, acessados. Um ensaio ou treinamento de alta intensidade, se preferir, para nossa imaginação, nossas emoções. Acho que isso nos mantém criativos, imaginativos e de mente aberta enquanto acordamos e enfrentamos o mundo como indivíduos e como espécie.

Isso significa que algumas pessoas precisariam sonhar mais do que outras?

Independentemente do que fazemos, por milhares de anos, todos os 8 bilhões de cérebros no planeta têm que entrar nesse processo todas as noites. Pense no exemplo: se você não girar seu braço e colocá-lo em uma tipoia por um longo tempo, ele se tornará rígido, essa flexibilidade desaparecerá. Da mesma forma, se usarmos apenas as partes do cérebro que precisamos, o resto, o emocional, o subconsciente, o imaginativo também perderia parte de sua capacidade. Então, acho que sonhar é um treinamento de alta intensidade para que nosso cérebro esteja disponível ao máximo e com a máxima criatividade e profundidade emocional enquanto navegamos pela vida. O fato de que precisamos sonhar - e até nos colocamos em risco para isso - mostra que claramente é algo fundamental. Sonhamos para manter nosso cérebro o mais ágil possível, para manter nossa mente o mais flexível possível. Há teorias que defendem que o sonho é um ensaio para ameaças, ou um momento de limpeza. Sim, algumas pessoas têm teorias de que o sonho é um ensaio, um terapeuta noturno ou serve para limpar memórias. É uma visão muito tacanha porque não é sempre uma coisa ou outra. Acho que é tudo isso e essas são subcategorias de algo maior acontecendo. Emoção e imaginação são livres, nem todo pensamento precisa ser inteligente. Não temos que nos apegar a todos os pensamentos que temos quando sonhamos acordados da mesma forma que os sonhos não devem ser colocados em uma caixinha como se houvesse uma única resposta. Não digo "não" a nenhuma dessas teorias, mas quando você olha para o estado do cérebro e vê que ele acordado ou sonhando é sempre ativo, mas áreas diferentes são acionadas, e que isso acontece em um ciclo de 24 horas, parece que há um yin/yang, uma oscilação e não um liga/desliga. Não é um computador que desacelera e então nós o trazemos de volta à vida. Está sempre ligado, mas em um estado diferente. Por exemplo: quando você pergunta a milhares e milhares de pessoas sobre o que elas sonham, muito poucas falam sobre matemática. Você começa a ver que a lógica e a razão são limitadas nos sonhos, enquanto a emoção e a imaginação são liberadas. Assim, certos padrões de sonho fazem sentido.

Esses padrões são sonhos comuns, como o de cair?

Há sonhos comuns que acontecem em várias culturas ao longo de centenas de anos, sugerindo que o cérebro está criando esse padrão. Europeus nascidos há 100 anos estariam descrevendo sonhos com quedas tanto quanto alguém na Ásia nascido hoje. Então, juntando todas essas peças - ativação cerebral, padrões de sonhos, sonhos consistentes através de gerações - isso é construído e segue um propósito evolutivo.

Como os sonhos são transmitidos assim?

Isso significa que não são apenas nossa altura e cabelo que herdamos de nossos ancestrais, herdamos um padrão de pensamento, um padrão de sonho. Não de duas gerações atrás, mas de 20 gerações atrás, 200 gerações. Há um campo chamado arqueologia cognitiva ou psicologia evolucionista, que avalia como a forma como pensamos está relacionada ao que estava acontecendo 100 mil anos atrás, porque esses são os verdadeiros ancestrais, certo? Então, talvez, quando o cérebro explodiu, isso é apenas uma ideia, quando mamutes peludos estavam por perto, algo foi definido em nossos sonhos e é por isso que sonhamos com essas coisas e não com filhotinhos de cachorro. Você pode herdar um padrão de sonho dos seus pais.

E os pesadelos?

Pesadelo é um sonho, mas a espécie mais rara de sonho. Talvez devamos ter pesadelos, talvez eles tenham uma função. É poderoso que eu tenha herdado padrões de pensamento diurno e noturno dos meus ancestrais. Veja, não é aprender, ouvir, é herdar. É algo que merece ser explorado, não é aleatório, acontece universalmente, acontece em crianças, e os pesadelos se agrupam nas famílias. Temos que olhar para isso.

Os pesadelos podem indicar algo errado?

Da mesma forma que se você tem dor de cabeça uma vez ou outra está tudo bem, se você tem a dor e ela não vai embora, é cada vez mais forte ou mais frequente, deve prestar atenção. Pesadelos mais intensos e progressivos estão ligados à depressão e à ideação suicida. Não significa que você fará essas coisas, mas o que acho interessante é que isso pode acontecer enquanto você ainda está se sentindo bem durante o dia. Assim, antes que você se sinta mal na sua vida desperta, você tem seus pesadelos como um sinal de alerta. Outro exemplo concreto, e é importante que as pessoas saibam, é que mudanças em nossos padrões de sonhos, com aumento de pesadelos na faixa dos 50 anos, podem indicar Alzheimer e outros problemas neurológicos.

Acredita em algo espiritual relacionado aos sonhos? Especialmente aqueles ligados ao fim da vida?

Os sonhos de fim de vida tendem a ser bons. Estou tentando apenas apontar um padrão e vejo com esperança e otimismo os sonhos dessa fase. Outra coisa interessante é que estudos estão mostrando que um a dois minutos depois que o coração para de bater, a eletricidade do cérebro explode. Ou seja, os últimos dois minutos da sua vida cerebral são possivelmente um grande sonho, uma intensa atividade onírica. Seu melhor sonho está à sua frente.

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