ROMBO MILIONÁRIO

Falhamos em nossos controles, diz presidente da Apae Maria Amélia

Por André Fleury Moraes | da Redação
| Tempo de leitura: 5 min
Mateus Ferreira
Presidente da Apae, Maria Amélia Moura Pini Ferro defende regras mais rígidas ao terceiro setor
Presidente da Apae, Maria Amélia Moura Pini Ferro defende regras mais rígidas ao terceiro setor

Presidente da Apae Bauru, Maria Amélia Moura Pini Ferro assumiu a entidade em meio à maior crise na qual a instituição se viu envolvida. O então presidente Roberto Franceschetti Filho havia sido preso e a secretária executiva, Claudia Lobo, morta segundo a Polícia Civil pelas mãos de seu braço-direito Franceschetti.

Desde então todos os olhos se voltam à Apae. Investigações apontam para desvios superiores a R$ 7 milhões dos cofres da entidade num esquema que envolvia transferências de recursos das contas da instituição para seus ex-dirigentes à luz do dia, sem qualquer preocupação nem mesmo em ocultar os repasses.

Em entrevista ao JC, concedida na sede da instituição na sexta-feira (13), Maria Amélia disse ter sido "pega de surpresa" com as revelações, defende mudanças no regramento sobre as entidades - o estatuto da Apae Bauru, por exemplo, está sendo revisto -, e admite que "falhamos nos nossos controles".

Também afirma que a Apae foi vítima de tudo isso e que a instituição não pode interromper seus serviços dos quais dependem milhares de bauruenses.

Ainda na sexta pela manhã, confidenciou a presidente ao JC, a Apae demitiu outra funcionária indiciada por envolvimento no esquema.

A seguir, os principais trechos da conversa:

JC - O caso chocou o País todo. Descobriu-se um verdadeiro esquema de transferências bancárias sem absolutamente nenhum controle. A sra. tinha alguma suspeita sobre isso?

Maria Amélia
- Primeiro devemos lamentar tudo isso. A Apae foi vítima de um esquema. E nós, voluntários da diretoria, e também os funcionários fomos enganados. Tivemos e temos auditoria do balanço [contábil] que nunca apontou nada. O esquema maquiou muito bem as contas. Nós não tínhamos conhecimento disso porque não estávamos no dia a dia da instituição. Fomos pegos de surpresa.

JC - Chama a atenção, porém, a maneira escancarada como se dava o esquema. Houve omissão, na sua avaliação?

M.A.
- Falhamos nos nossos controles, isso nós falhamos. Mas não diria omissão. Porque nós vínhamos aqui [na Apae] e tínhamos informações sobre os balanços, segundo os quais tudo acontecia perfeitamente bem.

Ele [Roberto] criou contas [bancárias] que não estavam presentes nos balanços. Tanto que até hoje temos dificuldade em acessar essas contas.

JC - Mas a entidade também possui um conselho fiscal. Como o colegiado aprovou as contas com todos os extratos?

M.A
- Ninguém tinha acesso às contas utilizadas para os desvios. Elas nunca eram levadas ao conselho.

JC - No ano passado, quando da reunião de prestação de contas da Feira da Bondade, uma entidade doadora teria questionado o resultado das vendas e o lucro final. A sra. confirma que isso aconteceu?

M.A.
- Eu ouvi dizer de outras pessoas que eles [a entidade] teriam questionado isso. Ao que soube, eles deram uma explicação contábil e que havia um erro. Como você, porém, eu só ouvi dizer.

JC - A Polícia Civil diz em um dos relatórios do inquérito que apura os desvios que a Apae entregou informações genéricas sobre determinados temas ou simplesmente não entregou documentos. O que aconteceu?

M.A.
- Primeiro fizemos uma sindicância da qual participou o Ministério Público. Depois, tudo o que o delegado solicitou foi entregue. Claro que dentro da nossa capacidade de levantamento de informações. Podemos ter enviado determinada informação que não fosse a que ele [delegado] queria.

JC - A coordenadora financeira Maria Lúcia Miranda, que acabou presa recentemente, ainda estava trabalhando na entidade - talvez porque não houvesse suspeitas sobre seu envolvimento. Ela chegou a participar da sindicância interna aberta pela Apae?

M.A.
- Sim, mas como depoente.

JC - Os documentos da investigação sugerem um superpoder de Roberto e Claudia dentro da instituição. As coisas saíram do controle sem nenhuma desconfiança. Foi um erro? Qual a lição a se tirar disso?

M.A.
- Nós contratamos uma perícia externa que vai apontar o que foi feito e quais mecanismos nós vamos estabelecer para que isso nunca mais aconteça. Já tomamos algumas medidas de controle, mas a perícia começou agora. Não tem prazo para terminar. Estabelecemos os últimos dois anos como objeto da apuração, mas esse prazo pode ser estendido para anos anteriores.

JC - Muito se falou sobre a questão do salário do Roberto. Historicamente presidentes nunca receberam vencimentos. Agora sabe-se que ele ganhava R$ 30 mil. Não é um valor muito alto? Como isso foi recebido por vocês na época?

M.A.
- O salário inicial dele era de R$ 12 mil. Aliás eu não devo citar valores pela Lei Geral de Proteção de Dados. Mas isso já está público.

Por que foi instituído o salário? Porque na época ninguém queria assumir a presidência. E ele era coordenador. Aí definiu-se que se tornaria presidente. Depois, ele próprio foi se dando aumento.

JC - A sra. já conseguiu refletir sobre tudo o que aconteceu? Qual conclusão a que pode chegar?

M.A. - A Apae vai fazer 60 anos no começo do ano que vem. São seis décadas de atendimento ao público. Temos um público que precisa ser atendido. E não interrompemos [o atendimento] em momento algum. Contratamos psicólogos, até porque muita gente ficou abalada, mas não paramos. Precisamos continuar.

JC - Conversamos pouco depois de o Roberto ter sido preso e, naquela ocasião, a sra. afirmou que a intervenção na diretoria estava descartada. Isso chegou a ser cogitado pela Federação Nacional das Apaes?

M.A. - A Fenapae esteve conosco e descartou a intervenção. Claro que eles continuam acompanhando isso de perto.

JC - Imagino que tenha havido um certo impacto com as doações após o episódio. Já é possível mensurar valores?

José Francisco Sandrin (também presente à entrevista) - O primeiro impacto foi em agosto e setembro, quando houve redução de 20% nas doações. Isso foi recuperado. Agora, neste final de ano, com o que saiu [na imprensa e as repercussões na Justiça], creio que haverá outro baque.

JC - O que aconteceu na Apae com relação aos desvios pode estar ocorrendo neste momento em várias entidades do País. A sra. acredita que deva haver uma mudança na legislação que rege o terceiro setor, impondo regras mais rígidas?

Maria Amélia - Seria interessante. É bom para nós ter regras rígidas e acompanhamentos rígidos.

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