OPINIÃO

'Cérebro podre', mal da modernidade

Por Zarcillo Barbosa |
| Tempo de leitura: 3 min
O autor é jornalista e articulista do JC

Todos os anos, o Dicionário Oxford revela o termo mais significativo da temporada para representar o espírito da época. A expressão deste 2024 é "podridão cerebral", eleita por intelectuais do mundo inteiro por conter o "sinal dos tempos", ou o conjunto de ideias, crenças e comportamentos que mais nos influenciaram.

Há 170 anos, o filósofo norte-americano Henry Thoreau já havia empregado as mesmas palavras ("brain rot"), para criticar aqueles que se contentam com as informações rápidas e nem sempre isentas dos jornais. Há os que fecham opinião sobre assuntos relevantes só com conversas de botequim. Desanimador.

Uma vez viciado com a informação rasa ou fútil, segundo o filósofo, o cérebro da pessoa apodrece. A massa acrítica nada produz para melhorar a sociedade alienada. Ele equiparava essa síndrome à podridão da batata, que à época era difícil de ser debelada, mas possível. A suposta deterioração intelectual de uma pessoa, esta não tem cura. Nas condições atuais, é no que dá o consumo excessivo de besteiras na internet, os discursinhos de ódio, violência, bullying e dancinhas virais no TikTok. Para complicar, surgem os "slops", conteúdos bizarros gerados por Inteligência Artificial. Seria mais uma praga, e nem conseguimos dar conta do alerta de Thoreau de 1854.

A mania de imersão nas telas do computador ou do celular, pulando de um para outro tema sem estímulo intelectual, seria o mal da era tecnológica. Nossas mentes são moldadas por coisas irrelevantes. Quando é preciso nos aprofundar em algo sério somos incapazes de uma atenção prolongada. Seria rabugice remeter as pessoas aos livros, como recomendava Thoreau. Mas, pelo menos, que se leia algo que aguce o nosso espírito crítico e nos prepare para separar o consistente do ilusório.

Essa letargia mental dá vaza ao autoritarismo. O consumidor de mente deteriorada por conteúdos tóxicos ou poluídos, é vencido pela comodidade de seguir líderes com soluções simples para problemas complexos. Qualquer texto que procure demonstrar, pela razão, os equívocos de se sacralizar políticos de aptidão duvidosa, causa "dissonância cognitiva". Leon Festinger (1954) descobriu que as pessoas de crenças arraigadas rejeitam qualquer tipo de argumento que não estão em harmonia com o que passa na sua cabeça.

Dificilmente vai mudar quem está convencido que a violência é o antídoto contra o crime e o criminoso. Se houver oportunidade, atira o Papai Noel da ponte com votos de um "Feliz Natal". O mergulho na irrelevância para evitar as dores da reflexão explicam as soluções simplistas de resolver na porrada; e as visões conspiratórias do processo histórico.

Se fosse votar para escolha de um termo representativo de uma suposta deterioração mental de parte da sociedade brasileira, escolheria "empatia". O politicamente correto virou paranoia, perseguição, caça às bruxas. Vide o episódio da negativa de cessão de um lugar na janelinha do avião. Quem não tem capacidade de sentir e até mesmo de entender o que o outro sente, não é empático. Merece ser "cancelado" pela viralização na internet, mesmo que isso só interesse ao sistema límbico do outro: às estruturas cerebrais que processam as emoções, comportamentos e memória dos mamíferos.

Brain rot levanta questões importantes entre o entretenimento digital e o bem-estar mental. Encontrar esse equilíbrio é fundamental para a geração atual que cresce rodeada de dispositivos eletrônicos.

O desafio é usar a internet de forma consciente, tirando proveito dos recursos disponíveis para fecundar a mente. Para alcançar esse equilíbrio é preciso estabelecer limites claros em relação ao tempo de tela, promover períodos desconectados. Educadores, pais e usuários devem estar atentos ao uso mais saudável e consciente da tecnologia.

Comentários

Comentários