COLUNISTA

Vox populi, vox dei?

Por Carlos Brunelli |
| Tempo de leitura: 3 min
Igreja Batista do Estoril

A expressão em latim, literalmente quer dizer voz do povo, voz de Deus. Popularizou-se ao longo dos séculos, a ponto de se tornar provérbio corriqueiro, remetendo a uma suposta unanimidade, um pretenso consenso, ou mesmo a atestar a veracidade de um fato.

Em períodos de campanha eleitoral como o atravessado no momento, também propõe, ardilosa e equivocadamente, que a escolha do candidato eventualmente sufragado nas urnas expõe uma eventual vontade divina para tal escolha, pois, afinal, traduz o desejo da maioria e, assim, representaria a voz popular; portanto, a voz de Deus.

De origem desconhecida, a versão que ganhou força foi a atribuída a Alcuíno de York, poeta e matemático inglês do século 8, considerado o monge mais letrado do mundo, que a teria feito constar da carta endereçada a Carlos Magno, o célebre conquistador e imperador romano.

Ao contrário de outros líderes, Carlos Magno era um estudioso, sabia ler e o fazia com frequência. Criou uma corte de intelectuais e para lá chamou o melhor professor que existia na época. Dá-se a ele, Alcuíno, em vista dos diversos enigmas que engendrava e que tinham como resolução uma lógica matemática, a origem da análise combinatória, instrumento utilizado nos experimentos e cálculos da computação moderna. Na citada carta, Alcuíno teria escrito em latim 'Nec audiendi qui solent dicere, Vox populi, vox Dei, quum tumultuositas vulgi semper insaniae proxima sit', o que, em tradução livre seria algo como 'Não dê ouvidos a quem habitualmente diz que a voz do povo é a voz de Deus, enquanto sua vida confusa está sempre próxima da loucura'.

Nas Escrituras Sagradas cita-se uma série de profetas. Estes eram homens comuns, levantados por Deus para divulgar mensagens à população de determinada região quando o povo se afastava dos ensinamentos e preceitos divinos. Eram os profetas, por assim dizer, a voz de Deus, mas constantemente suas mensagens eram contrárias ao comportamento humano vigente; desafiavam os costumes e a voz do povo.

Junte-se a frase atribuída a Alcuíno e o ofício dos profetas do Antigo Testamento e teremos a inequívoca conclusão de que, nem sempre ou mesmo raramente, a voz do povo é a voz de Deus. A sociedade atual, assim como a dos primórdios, quer impor suas vontades, sua cultura, seus maneirismos, em manifesta reação aos valores disseminados pelo Soberano Senhor de nossas vidas desde a Criação. Revolta-se facilmente contra conceitos que, se observados, trariam paz, felicidade, harmonia e comunhão com Deus. A despeito de tamanha bênção, prefere trilhar caminhos tortuosos ou - emprestando mais uma vez a frase de Alcuíno - confusos e sempre próximos da loucura.

Nessa rebelião muitas vezes incentivada por organizações que lucram com a controvérsia, que fazem da oposição aos regramentos seculares uma pseudobandeira de expressividade cultural e de liberdade contemporâneas, o afastamento dos padrões de Deus se alargam, a estrutura familiar desvanece e a sociedade esgarça, fragmenta, liquefaz.

"Feliz aquele que teme ao Senhor e anda nos seus caminhos" (Salmo 128). O salmista exalta a recompensa de seguir a Deus. Valores como integridade moral, honestidade pessoal, caráter, amor ao próximo, tão em desuso, esquecidos ou negligenciados hoje em dia, quando recuperados são os que conferem reaproximação do Criador. Esse resgate, quanto mais cedo for desejado e alcançado terão o condão de inverter o famoso adágio e, felizes, passemos a expressar que Vox Dei, Vox populi.

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