Pensando em Clarice Lispector escrevo, que ao ser citada pela atriz Cate Blanchett, a elogia dizendo: "Gênia absoluta", ...é preciso muito esforço para ser simples... e nos coloca diante de uma autêntica e difícil trajetória ao alcance de quem prática a arte de se escutar e que olha a própria vida sem perder a autenticidade e um coração desprotegido com coragem para viver o desconhecido.
Nesta frase, a complexidade e a simplicidade atingem uma qualidade que alcança uma existência lapidada pela experiência, pelas vivências, por uma veracidade espetacular.
A escrita de Clarice Lispector quase sempre nos causa um estranhamento, e é imprescindível à medida que contribui para aprofundarmos nossa relação com a vida psíquica a ponto de ser possível uma transformação que nos aproxima da essência das coisas, permeada por apontamentos intrínsecos numa auto análise que incorpora e não tenta explicar nada: apenas sente, reconhece, se pertence.
Para nos escutarmos é preciso investir tempo, coragem, amor à verdade que se traduz numa experiência como fonte capaz de nos aproximar de nós mesmos se, ao vivermos a experiência contida na própria experiência, sentimos o nada e nos reconhecemos destituídos de adereços retornando ao início e a totalidade das coisas.
Tanto Freud quanto Bion insistiram na importância do sonhar como fonte de imersão e na riqueza de um caminho que nomeia quem somos nos apresentando à nossa individualidade, assim como onde seria um bom lugar de estarmos quando nos acessamos na própria travessia do ego.
É preciso esforço e coragem para ser simples, e mais do que isto, um investimento ao retorno do que recalcamos como síntese de onde nos perdemos ao achar que não ser simples é o melhor modo de vida.
Clarice Lispector ousou, ensinou, mostrou caminhos sem aponta-los e se atentou à realidade psíquica cultivando a intimidade e nos convidando a percorrer uma direção que parte do reconhecimento de uma vida emocional que sempre quer nos comunicar algo: de nós para nós mesmos.
Ela foi Rodrigo S.M., Macabéia, Raimundo, Olímpico, Carlota, Glória, e tantos outros que moraram dentro dela numa coragem ousada que transgrediu o comum e percorreu o próprio caminho nos deixando claro que para alcançar o simples, precisamos acessar os entremeios que nos distanciam de nós mesmos.
A ideia de subjetividade que existe dentro de nós é o grande arcabouço que temos a nossa disposição nos fazendo crer que é preciso percorrer o eu e o desconhecido para entender este lugar simples.
No divã acessamos a nós mesmos, seguimos direções onde os espelhos se convergem e nos destituímos de tudo o que não nos pertence. É complexo, difícil, mas atiça o gosto pelo que é simples num não saber que aos poucos vai se transformando em matéria prima da nossa existência.
São zonas indizíveis que estendem a palavra para o assombro do inconsciente que, ainda sem nome, espera o nosso olhar para darmos espaço dizendo ... "estou aqui para te ouvir".
Música "Cajuína" com Caetano Veloso.