ENTREVISTA JC

Entrevista com José Luiz Canabrava, que conviveu e jogou com Pelé

Por Tisa Moraes | da Redação
| Tempo de leitura: 6 min
Grazielly Zagatto
José Luiz Canabrava recebia conselhos dos pais de Pelé
José Luiz Canabrava recebia conselhos dos pais de Pelé

Ele conviveu e jogou com Pelé na infância e adolescência, em Bauru, antes de o atacante tornar-se mundialmente conhecido

"Até hoje, tem gente que não acredita", revela José Luiz Canabrava, 86 anos, sobre sua história de vida, de fato, incrível, mas felizmente imortalizada em fotos e até em gibi e tirinhas de jornal. Nascido em Rio Claro durante a mudança da família da Bahia para Bauru, aos seis anos ele tornou-se amigo de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, com quem formou uma turma apaixonada por futebol, que deu ao atleta o famoso apelido.

A amizade perdurou durante a adolescência e ambos jogaram juntos até 1955 no Futebol Amador de Bauru - um como atacante e outro como quarto-zagueiro. Órfão de pai e mãe aos 12 anos, José recebeu cuidados e conselhos dos pais de Pelé, Celeste e Dondinho. Na época, começou a trabalhar como pedreiro, aposentando-se somente aos 75 anos, como mestre de obras. Torcedor do São Paulo, casou-se duas vezes e é patriarca de uma grande família - também tricolor - composta por sete filhos, 11 netos, 21 bisnetos e 10 tataranetos. Com Adelaide, teve os primeiros cinco filhos e, dez anos depois de ficar viúvo, casou-se com Maria Helena (em memória), com quem teve os dois mais novos.

Foi, ainda, um dos fundadores do Esporte Clube Redentor e inspiração para o personagem Canabrava, da Turma do Pelezinho, criada pelo cartunista Mauricio de Sousa. Nesta entrevista, José relembra a infância ao lado de Pelé, as dificuldades enfrentadas ao assumir funções de adulto precocemente e ao perder contato com a irmã e conta sobre os dois reencontros que teve com o amigo, já consagrado Rei do Futebol.

JC - O senhor nasceu onde e como veio morar em Bauru?

José - Meu pai veio primeiro, de Paulo Afonso (BA), para trabalhar na Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB). Depois de quatro meses, ele foi buscar minha mãe, que estava grávida de mim, nos últimos dias de gestação. Vieram com minha avó em um caminhão de mudança da NOB e, no meio do caminho, em Rio Claro, minha mãe entrou em trabalho de parto e eu nasci. Ficamos três dias lá e viemos para Bauru, morar em uma casa atrás do antigo estádio do Noroeste. Vivi a vida toda aqui.

JC - E conheceu o Pelé em que momento?

José - Com seis anos, em 1944, chegou uma família de Três Corações (MG) com esse menino, cujo apelido era Dico, de quatro anos. Tínhamos uma turma de cerca de 20 meninos, muito unidos e apaixonados por futebol, que jogavam bola na rua e ele entrou no grupo. Eu morava na Quintino Bocaiúva e ele, a duas quadras, na Rubens Arruda. Um ano depois, já percebemos que ele era diferenciado. Foi nossa turma que deu a ele o apelido de Pelé e fizemos muitos jogos juntos pelo Amador, até agosto de 1955. Eu vivia na casa dele, filei muita boia feita pela mãe dele, dona Celeste. Ela e o seo João, pai do Pelé, que era muito amigo do meu pai, me deram muitos conselhos para seguir no caminho correto, porque meu pai faleceu quando eu tinha 10 anos e minha mãe, quando eu tinha 12. Ficamos eu e minha irmã, Lusia, com 13 anos, vivendo sozinhos na casa.

JC - Ficaram dois pré-adolescentes sozinhos?

José - Sim. A Celeste ajudou muito, eu a tenho como mãe e devo a ela muito do que sou. Tive que começar a trabalhar com 12 anos e parei de estudar no quarto ano. Fui trabalhar como servente de pedreiro e ainda dobrava jornal no Diário de Bauru durante a noite, entregava de manhã, ia para casa tomar banho e ia para a obra. Não tive adolescência, pulei direto da infância para a vida adulta. Antes de completar 17 anos, casei com a Adelaide, que tinha 15 anos. Nesta época, o Pelé foi embora para jogar no Santos e a família dele ficou. E minha irmã foi trabalhar na Matarazzo, em São Paulo. Perdemos o contato e nunca mais eu a vi. Tentei por muitas vezes achá-la, mas não consegui.

JC - Trabalhou como pedreiro até aposentar-se?

José - Comecei como ajudante, fui pedreiro e me aposentei como mestre de obras aos 75 anos. Fazia casas, trabalhei 15 anos com a Cormaf, de Santa Cruz do Rio Pardo, construindo casas de Cohab em Bauru e região, Barretos, Ribeirão Preto. Mas não abandonei o futebol. Já tinha me mudado para o Redentor, onde moro até hoje, e fui um dos fundadores do Esporte Clube Redentor (Peba), tetracampeão do Futebol Amador. Tiramos muitas crianças da rua por conta do esporte. Além disso, meus filhos Carlos Roni, chamado de Diogo, e Luiz César jogaram futebol profissionalmente. E um dos bisnetos, Ryan, 14 anos, neto do Roni, acabou de passar na peneirinha do Santos e, quando estiver prestes a fazer 15 anos, poderá ir para lá.

JC - Como foi virar personagem do gibi da Turma do Pelezinho?

José - O Mauricio de Sousa morou em Bauru. Ele retornou uma vez para participar de uma festa de aniversário da cidade e ficou sabendo de que a gente ainda estava aqui. Fez contato e nos convidou para ir até São Paulo para fazermos uma resenha sobre histórias que poderiam ser contadas em tirinhas para o jornal O Estado de São Paulo. Era uma homenagem à infância e adolescência do Pelé com a gente. Meu personagem usa uma camiseta com um C, de Canabrava, e sou eu mesmo ali, na forma de ser e na aparência. Também foram criados outros personagens da turma, como o Frangão, a Bonga (Buga, que foi namorada de José), Neuzinha (primeira namorada do Pelé) e Teófilo. Os gibis e almanaques foram publicados por dez anos (de 1976 a 1986) e também há alguns vídeos no YouTube com histórias da turma.

JC - Chegou a encontrar o Pelé outras vezes?

José - Sim, há uns seis anos, eu e o Frangão fomos com a TV de Bauru fazer uma surpresa para ele em Jundiaí, na inauguração de um recinto de futebol. A última vez que a gente tinha se visto foi em 1976, quando ele veio fazer o jogo de despedida da carreira, no BAC, e não sabia se ele iria me reconhecer. No começo, ele não reconheceu, mas o diretor da televisão falou meu sobrenome perto dele e ele olhou. Ao fim do evento, veio e perguntou se eu era o Cana. Eu disse que sim, ele me abraçou e foi aquela choradeira.

O que diz o aposentado:

'Foi nossa turma que deu a ele o apelido de Pelé e fizemos muitos jogos juntos pelo Amador'

'Órfão aos 12 anos, tive que começar a trabalhar. Pulei direto da infância para a vida adulta'

José (em pé, à direita) com Pelé (o segundo à direita, agachado) em jogo da equipe do Radium, em 1954, no BAC (crédito: Arquivo pessoal)
José (em pé, à direita) com Pelé (o segundo à direita, agachado) em jogo da equipe do Radium, em 1954, no BAC (crédito: Arquivo pessoal)
José com os netos Tamara, Diogo (agachado), Priscila, Júlio César, William, Ruan, Beatriz, Luiz Augusto e Benjamin (crédito: Arquivo pessoal)
José com os netos Tamara, Diogo (agachado), Priscila, Júlio César, William, Ruan, Beatriz, Luiz Augusto e Benjamin (crédito: Arquivo pessoal)
José com os filhos Luiz César, José Marcelo, Lusia e Rosana (crédito: Arquivo pessoal)
José com os filhos Luiz César, José Marcelo, Lusia e Rosana (crédito: Arquivo pessoal)
O filho Carlos Roni e Isabella, neta de José (crédito: Arquivo pessoal)
O filho Carlos Roni e Isabella, neta de José (crédito: Arquivo pessoal)
Canabrava, Pelé e Frangão, personagens da Turma do Pelezinho (crédito: Divulgação)
Canabrava, Pelé e Frangão, personagens da Turma do Pelezinho (crédito: Divulgação)

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