Falta humor. E isso é fato. Ela tentava me ultrapassar desde a altura do Vitória Régia. Eu costumo sair logo da frente de pessoas determinadas assim. Mas não dava. Manhã de segunda-feira. Muita gente afoita para iniciar a semana. Ela deu farol alto. Sinal claríssimo de que ninguém a seguraria. Olhei no retrovisor direito e vinha uma moto em alta velocidade. Impossível, pensei. Segurei o carro. Ela se irritou, aparentemente. E começou a fazer costuras pela direita. Eu percebi e fui conduzindo da melhor forma. Senti que ela queria ficar na minha frente. Estava me movimentando para isso acontecer em segurança. Até que numa costura radical ela me cortou pela direita e enfiou o suv na minha frente com energia. Num gesto faceiro, quase infantil, dei um tchauzinho pra ela. Pra mim era como dizer: - aí, conseguiu, hein, agora vai!
É aí que vem o primeiro alerta. A sua intenção pode até ser boa. Não faz a menor diferença. A sua intenção é sua intenção. E antes de se movimentar é preciso levar em conta a reação da outra pessoa. Mas a gente não leva. E a gente até se apoia no argumento ingênuo de que não teve má intenção.
- Eu só quis fazer uma piadinha. Só quis provocar um pouquinho.
Bem, o que seguiu a partir daquele momento fez meu coração disparar até decidir, agora, escrever este texto.
Com as rédeas na mão - digo, o volante do suv branco, limpo, brilhante -, ela tentou me matar na Nações Unidas, a partir da altura do Ceagesp. Bem lá na frente, inclusive, ela me encurralou entre um Caminhão daqueles de cauda bem longa (rindo de nervoso).
Eu confesso que mandei bem na direção. Foram freadas bruscas e fugas ágeis das garras da mulher do suv branco. Ela estava cega em seus estilosos óculos escuros. Os outros motoristas notaram a treta. Um homem, no ponto de ônibus, arregalou ou olhos e pegou o celular - será que filmou?
E, eu, ali, firme, ia para a direita, ela me fechada. Sinalizava esquerda e a fisionomia dela, ao retrovisor, sedenta, dizia: - Vou lhe engolir viva, garota! Você não sabe com quem mexeu.
Ela chegou a parar o carro no meio da avenida, pouco antes da curva para a Unesp. Liguei o pisca alerta, dei seta para a esquerda. Desviei do suv branco da mulher em fúria. Na frente do Hospital Estadual, sentido zoológico, ela deu vinte por hora à direita, passavam carros à esquerda, eu atrás dela atônita, agia rápido e pensava: ela é resistente, ela é determinada e não gosta de receber tchauzinho!
Segurei meu carro atrás dela, reduzi a quase dez e dá-lhe seta tentando dizer "cuidado gente a coisa aqui tá feia". Aí, dei uma de esperta (o que de fato não sou) e dei seta para a esquerda e ela mordeu a isca indo imediatamente para a esquerda, aí eu entrei pela cancela de funcionários do Hospital. Suspeito que ela esteja até agora lá, na porta da saída, pronta para me pegar.
Meu ímpeto, ao entrar sã e salva, foi acusá-la de louca. Eu juro que pensei: - De onde saiu aquela loira louca do suv branco? E imediatamente me corrigi: - Em que estado mental está a mulher do suv branco para bancar uma perseguição assim na segunda pela manhã? Quem tirou aquela mulher do sério? Sim, porque o meu tchauzinho foi só a gota que faltava.
Quem são as mulheres que se dispõem a ouvir e abraçar a mulher do suv branco? Eu sou? Eu só sei que eu quero ser essa mulher que consegue ser empática com a mulher do suv branco e com todas as outras mulheres que acreditam estar disputando qualquer coisa comigo ou apostando qualquer tipo de corrida comigo.
Obs.: Ei, mulher loira do suv branco que me fez viver uma aventura no trânsito naquela segunda-feira, 10 de junho, em Bauru-SP: eu te vejo.
E quero lhe dar um livro meu.
Caso aceite, ficarei feliz em lhe convidar a tatear a vida.