COLUNISTA

A religião como um produto

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Os indicadores gerais da sociedade contemporânea apontam para uma ausência de valores absolutos na interpretação da realidade, a negação da verdade, o relativismo generalizado e a fragmentação de conceitos consolidados. Nosso tempo é caracterizado por profundas complexidades, incontáveis paradoxos e uma intensa secularização. Vivemos em uma era de desencantamento generalizado, marcada por transformações significativas, especialmente nas esferas econômica, cultural e religiosa. No Brasil, as pessoas estão cada vez mais sujeitas às influências da secularização, que são moldadas pelas intricadas dinâmicas do mercado, resultando em uma série de contradições no tecido social. Um exemplo evidente disso é a metamorfose do discurso em torno da inovação tecnológica, da comunicação de massa e da religião midiática em um autêntico espetáculo, muitas vezes distante de objetivos práticos ou significados mais profundos. Estamos imersos em uma era em que tudo parece ser reduzido a mercadorias para consumo e fontes de entretenimento, alimentando uma necessidade desenfreada de exposição.

A religião não está imune a esse fenômeno. O sagrado, que deveria evocar reverência e contemplação, frequentemente se torna um meio para alcançar resultados imediatos, por meio de rituais que prometem soluções quase mágicas. No âmbito religioso, o foco não reside mais na busca pela transcendência ou na vivência espiritual profunda, mas sim na resolução rápida e superficial de problemas generalizados. O palco do espetáculo suplanta o altar da reflexão, e a autêntica experiência espiritual frequentemente é ofuscada pela busca por gratificação instantânea.

Infelizmente, a diversidade de opções religiosas tem levado à proliferação de cultos que encaram a fé como um espetáculo comercial, disponível para ser consumido como qualquer produto exposto nas vitrines. A mídia desempenha um papel crucial nesse contexto, promovendo ativamente essa forma de religiosidade, inclusive em igrejas protestantes e na própria tradição romana. Como consequência, um grande número de seguidores tem migrado para essas novas religiões, atraídos pelo apelo midiático que oferece soluções rápidas para problemas físicos e materiais, muitas vezes negligenciando o aspecto espiritual. Os adeptos do mercado religioso contemporâneo são tratados como consumidores ávidos, buscando avidamente serviços e símbolos religiosos. Os movimentos neopentecostais e carismáticos introduziram uma variedade de estratégias que impulsionaram um crescimento significativo no campo religioso, especialmente em países marcados pela desigualdade e injustiça social. Esse tipo de discurso neo-religioso, predominantemente já ganhou relevância.

O panorama atual do mercado religioso, com sua diversidade, é caracterizado por uma intensa competição na produção em massa de novos produtos. É evidente que existe uma demanda que impulsiona o produto da religião dentro da lógica capitalista, que transformou a fé em mercadoria, resultando na marginalização do verdadeiro significado sacro. Movimentos emergentes têm provocado mudanças na prática litúrgica da espiritualidade, introduzindo uma nova dinâmica de fé que frequentemente coloca em conflito o espetáculo e o sagrado. As práticas midiáticas contemporâneas, com sua capacidade de transformar qualquer coisa em produto, tendem a diminuir a profundidade e a sacralidade do rito. Surgem novas ideias, tendências e estilos que são promovidos e comercializados, porém, frequentemente, o que é vendido são apenas interpretações superficiais do encantamento religioso. É claro que todo esse sistema tem como objetivo principal criar ilusões em mentes afastadas do sagrado. Ao invés de restaurar uma crescente desordem, a única ordem que essa cultura oferece é a perpetuação acelerada do espetáculo.

Em resumo, a tradição cristã destaca a importância da ética e da autoridade das Escrituras Sagradas, promovendo valores morais, integridade e uma vida voltada para a transcendência divina. Contudo, a ortodoxia cristã enfrenta um desafio significativo com o aumento do materialismo e da luxúria, que distorcem o propósito piedoso da religião ao transformá-la em uma busca por lucro. Neste contexto de mudança constante e desconexão temporal, descrito por Zygmunt Bauman como a modernidade líquida, a proclamação do genuíno evangelho de Jesus torna-se crucial para combater a religião como produto. O ser humano, cada vez mais centrado em si mesmo e alienado do Criador, encontra-se entre cadeias na fluidez dessa modernidade líquida.

Nesse arcabouço, o fiel cristão deve manter a firmeza dos princípios fundamentais, expressos nas declarações de Cambridge fundamentados na Bíblia Sagrada: Sola fide (somente a fé), Sola scriptura (somente a Escritura), Solus Christus (somente Cristo), Sola gratia (somente a graça), Soli Deo gloria. Esses princípios continuam sendo uma boa resposta aos dilemas e desequilíbrios do mundo moderno. Portanto, é responsabilidade do cristão autêntico preservar o sagrado em meio a essa sociedade decadente do espetáculo, fundamentando-se continuamente nos valores infalíveis da fé.

IGREJA BATISTA DO ESTORIL

62 anos atuando Soli Deo Gloria

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