O CEO do Google, Sundar Pichai, defendeu a possibilidade de que conteúdos disponíveis na internet sejam usados gratuitamente para treinar modelos de inteligência artificial (IA). Na avaliação dele, quando empresa consegue criar soluções que melhorem toda a comunidade, não é necessário pagar para acessar conteúdos protegidos por direitos autorais. "Há casos em que cabe o argumento do uso honesto", afirmou.
O "fair use", como é chamado em inglês, é uma exceção do direito autoral que costuma ser reivindicada em certas situações. Uma delas é em casos de interesse público, que justifica, por exemplo, a reprodução de textos, artes, fotos ou vídeos na comunidade científica e na imprensa. Já situações comerciais, geralmente, desqualificam o argumento do uso honesto.
O executivo evocou essa prerrogativa para responder sobre os planos do Google para remunerar produtores de conteúdo que tiveram suas obras usadas com o fim de treinar modelos de inteligência artificial. A declaração foi dada em entrevista ao podcast do Verge, site especializado em tecnologia. Veículos jornalísticos blogueiros e criadores de conteúdo, que recebem leitores redirecionados pelo Google, expressaram preocupação na última semana com a nova ferramenta do buscador: o AI Overviews (algo como apanhado de IA), que responde a consultas de usuários com um texto curto. A resposta gerada por IA vem acompanhada de dois a três links de referência.
Especialistas ouvidos pela Folha dizem que a tecnologia pode representar ameaça existencial ao financiamento da imprensa e empobrecer a diversidade da internet. Donos de sites que tiveram conteúdos apropriados pelo Google para desenvolvimento da tecnologia não receberam notificação da prática.
Para Pichai, a melhoria na experiência de navegar na internet proporcionada pelo AI Overviews pode também aumentar o número de leitores de alguns sites. Isso justificaria o "fair use" e o não pagamento de direitos autorais a sites. O executivo ainda reforçou o argumento divulgado em anúncio do Google de que os endereços referenciados pelo AI Overviews nos resumos recebem mais cliques do que os links que aparecem na lista comum do buscador. A empresa, contudo, não divulgou os dados que embasam a informação nem estudo sobre os testes feitos com IA na busca. "Sabendo do seu histórico na discussão sobre o uso honesto, eu não vou me aprofundar no argumento", respondeu o executivo ao entrevistador e editor-chefe do Verge, Nilay Patel.
O jornalista apontou incongruências entre o comportamento do Google nas buscas com a postura protecionista do Youtube com os direitos autorais de vídeos e músicas -as duas plataformas são controladas pela mesma holding, a Alphabet. O site de vídeos tem restringido conteúdos produzidos por inteligência artificial, após reclamações de gravadoras que disponibilizam músicas na plataforma.
Para a professora Anya Schiffrin, diretora de tecnologia, mídia e comunicações da Universidade Columbia em Nova York, as gigantes da tecnologia, como o Google, se aproveitam do controle que detêm sobre os dados para obter vantagens no mercado e, por isso, não compartilham informação.
Sem citar normes, Pichai disse que a empresa já negocia parceria com alguns parceiros produtores de conteúdo no desenvolvimento de IA, mas não especificou se a parceria seria para licenciar produções jornalísticas ou artísticas. A criadora do ChatGPT, OpenAI, já fez acordos na casa dos milhões de dólares com Le Monde, Financial Times, El País e Axel Springer (que edita os jornais alemães Bild, Die Welt e o site americano Politico). Pichai diz entender que os donos de sites possam ficar assustados durante esse período de "grande transformação". "As pessoas nem sempre vão concordar com tudo o que fazemos. Quando se gerencia um ecossistema, é preciso equilibrar as diferentes demandas."
Segundo ele, os usuários que participaram dos testes do AI Overviews, a partir da plataforma SGE (Search Engine Experience ou experiência de buscador), se mostraram "muito satisfeitos". O Google precisa, de acordo com o executivo, conciliar o redirecionamento de audiência para quem publica na internet com a satisfação do usuário que faz consultas no buscador.
No anúncio do AI Overviews, na última terça (14), a empresa mostrou como a ferramenta pode diminuir a peregrinação por diversos sites até achar a resposta adequada. "Queremos acabar com o trabalho braçal", disse a diretora do Google para busca, Liz Reid.
Embora a ferramenta cite trechos de matérias procuradas pelos usuários, às vezes na íntegra, Pichai disse que o resumo pode "atiçar a curiosidade" do internauta que estará mais disposto a clicar no link a fim de se aprofundar. "Os resumos aumentam o engajamento."