ENTREVISTA JC

Nelson Wilians: da pequena sala na Monsenhor Claro ao império da advocacia

Os pormenores da passagem de Nelson Wilians, presidente da maior banca de advogados do País, por Bauru, onde se formou em direito; revelações inéditas mostram as dificuldades pelas

Por André Fleury Moraes | 23/03/2024 | Tempo de leitura: 8 min
da Redação

O advogado Nelson Wilians durante entrevista ao JC, no espaço Café com Política, no sábado (16)
O advogado Nelson Wilians durante entrevista ao JC, no espaço Café com Política, no sábado (16)

Do cômodo na Monsenhor até o império da advocacia


Presidente do maior escritório de advocacia do Brasil, com uma banca de advogados que supera mil operadores do direito, Nelson Wilians não esconde - e nem faz questão disso - o prestígio que conquistou ao longo da carreira. "O sucesso atrai muita coisa boa. E incomoda muita gente também", afirma, sem meias palavras. Mas nem sempre foi assim.

Wilians nasceu em Cianorte, no interior do Paraná, cidade que leva este nome em razão da Companhia Melhoramentos do Norte do Paraná, capitalizada com investimentos britânicos e que abriu as trilhas do Norte paranaense depois de adquirir 500 mil alqueires de terra do governo daquele estado.

Mas não foi em Cianorte que Wilians estudou. "Fiz o primário no Colégio Municipal de Umuarama", explica. Neste período, conta o advogado, seu pai vendia máquinas de escrever Olivetti, que fechou sua última fábrica brasileira, sediada em Guarulhos, em 1996 - hoje, a marca opera na Itália e na Suíça, além de ter associados de revenda em 83 países.

A situação financeira da família àquela época era tão precária a ponto de ter surpreendido um tio que visitou a família certa vez em Umuarama. "Ele nos colocou no carro e nos levou para Jaguapitã", conta Wilians.

Conhecida como capital do bilhar, a cidade está situada na região de Londrina e localizada a 20 quilômetros de Astorga, município onde nasceu uma das maiores duplas sertanejas do País, os irmãos Chitãozinho e Xororó. "Fomos morar numa propriedade agrícola, quase uma chácara", lembra Wilians sobre os primeiros dias no município.

Eram três alqueires de terra que passaram a ser destinados à agricultura de subsistência da família. O trabalho era comandado pelo pai, que levou 'Nelsinho', como era chamado o jovem Wilians, à lavoura quando o filho tinha pouco mais de 11 anos.

Era um trabalho massacrante, ele próprio define. "Eu roçava pastos, ordenhava vacas, preparava a terra", relata. Wilians odiava o serviço. Queria sair da roça o mais rápido possível - e viu na educação um caminho a ser seguido. Decidiu que cursaria direito inspirado pelo "Demolidor", o Homem sem Medo das historias de quadrinhos da Marvel que lia quando criança.

O enredo é protagonizado por Matt Murdock, filho de um lutador de boxe decadente que perdeu a visão mas, em compensação, ganhou uma inteligência aguçada e uma vontade inabalável de vencer na vida. Foi a semente da ambição do jovem que, décadas mais tarde, se tornaria ele mesmo uma espécie do personagem que admirava na infância.

Nelson sabia que essa mudança de vida não viria sem percalços. Os obstáculos começaram ainda na família - seus pais eram contra que o jovem fizesse faculdade, por exemplo. "Achavam que eu deveria ficar em Jaguapitã para trabalhar", conta. "Mas eu sabia que, se ficasse, não teria um destino tão diferente do de meu pai".

Mudou-se para Bauru nos idos de 1980, quando a Sem Limites registrava pleno crescimento com a pujança das indústrias que se instalavam no município e a efervescência cultural capitaneada pelas universidades e pela ferrovia.

Pensou que conseguiria um emprego rapidamente - e não foi bem assim. Coube a um primo indicar Wilians a uma vaga aberta na Santa Casa do Jahu, para onde se mudou a fim de se tornar auxiliar de escritório.

O diretor de recursos humanos da instituição era também proprietário de um posto de combustíveis naquele município. Viu que 'Nelsinho' tinha vontade de trabalhar e ofereceu um "bico" em sua rede de postos aos finais de semana. "Prontamente aceitei", conta Wilians.

Nesta mesma época o jovem começou a cursar direito na Instituição Toledo de Ensino (ITE). Viajava todo dia para Bauru, rotina que não demoraria para se esgotar. "Era muito cansativo", admite.

Foi quando surgiu uma vaga numa república de estudantes em Bauru. Era a oportunidade perfeita: poderia morar na mesma cidade onde estudava por um valor muito menor. Havia juntado algum dinheiro, mas não trabalhar não era uma opção. Precisava se manter, afinal.

Ele começava o segundo ano do curso e o trabalho e a necessidade de se manter impediram o jovem de aproveitar a vida universitária. “Eu não tive isso”, conta. Talvez por isso ele não tenha saudades do período de estudante. “Não foi uma época gostosa”, avalia.

Para se ter ideia, ele vendia o vale transporte que recebia e tentava andar o máximo possível a pé – só usava transporte coletivo quando realmente necessário. “Precisava complementar minha renda”, explica. A bem da verdade, nem pelo próprio nome Nelson era chamado. Todos o conheciam por ‘aleaté o império da advocacia Nelson Wilians mão’, apelido que o acompanhou durante um bom tempo.

Talvez por isso ele não se esqueça do professor Paulo Tambara, procurador do Estado e o único a chamar Nelson por Nelson em vez de “alemão”. Tambara lecionava direito civil e, nas palavras do advogado, “foi um exímio mestre”.

Wilians demorou a encontrar emprego em Bauru. Só não desistiu – decisão que estava prestes a tomar – porque um médico que também fazia direito, o doutor Antônio Sebastião Cabreira, o indicou para uma vaga na construtora Apoema. “Ele me salvou aos 45 do segundo tempo”.

Trabalhou na empresa durante quase um ano, quando foi dispensado numa demissão por contenção de gastos. Mas um dos proprietários da empresa, Luiz Fernando, abriu as portas de um outro estabelecimento, da mesma família, para Nelsinho.

A vaga era para o departamento de RH da instituição, área familiar ao estudante de direito pela experiência que teve em Jaú. Foi contratado por Siegfried Karg e permaneceu ali até terminar a faculdade, em 1993.

Passou no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) logo depois de se formar. Deixou a empresa de Siegfried porque não havia vaga para mais um operador do direito por ali. Coube àquele que o indicou a Siegfried, Antônio Cabreira, oferecer uma pequena sala de sua clínica médica para que o jovem Nelson pudesse advogar.

Era um pequeno cômodo na rua Monsenhor Claro, no Centro. Mas tinha um horário restrito: poderia usar a sala das 8h às 16h, quando o doutor voltava de outro emprego para começar a clinicar.

“Era uma coisa anômala. Os clientes chegavam e se deparavam com um escritório de advocacia com quadros da anatomia humana, estetoscópio na mesa”, ilustra.

A situação ainda era difícil mesmo quando Wilians já era advogado. Ele só conseguiu comprar seu primeiro carro – um Fiat Panorama – ano após começar a profissão. Era um trambolho, lembra Nelson, que nem sequer freio tinha.

Ele descia a rua Gustavo Maciel certa vez quando um Chevrolet Omega, que acabava de ser lançado ao mercado, brecou abruptamente em sua frente. A batida foi inevitável.

Nelson desceu do carro, sentou à sarjeta e olhou para o desastre. “Será que atingiu o motor?”, indagou a mulher que dirigia o Omega, que saiu ileso. O carro de Nelson, enquanto isso, foi detonado na colisão.

O problema já estava dado. Para piorar, um senhor que passava pelo local no momento do acidente olhou para Nelson, que vestia paletó, e bradou: “Esquece. O rapaz dessa Panorama não vai pagar nunca” – imaginando que ele fosse o dono do Omega. “É. Difícil, mesmo, né”, respondeu o advogado, sem jeito.

Wilians nunca estagiou e aprendeu na marra a operar o direito. Mas sempre correu atrás de mentores. “Eu escrevia petições na Igreja Batista. Um dos membros dessa igreja, José Maria Estevão, era procurador da Unesp e corrigia minhas peças”, conta. “Sempre tive pessoas que me apoiavam”.

REFERÊNCIA

Um deles, revela o advogado, foi o fundador deste JC, o saudoso ex-prefeito e ex-deputado federal engenheiro Alcides Franciscato. “Tem clientes que têm preço e outros que agregam valor. Alcides se encontra nesse último caso”, afirma Wilians.

Franciscato confiou a Wilians uma procuração para atuar em pequenas causas. Foi o que bastou. O honorário era o êxito ao final da ação. “Isso me abriu portas. Franciscato era uma referência para Bauru e sempre será”, lembra.

Inaugurou o primeiro escritório, desta vez definitivo, em parceria com o advogado bauruense Adirson de Oliveira ao final de 1990. Mas Wilians teve uma decisão sagaz na época: a sede da empresa ficava em São Paulo; em Bauru estava uma filial. “Isso garantiu credibilidade”, conta.

Se mudou para São Paulo no início dos anos 2000 após romper sociedade com Oliveira. Em 2009, a estrutura do Nelson Wilians Advogados começou a marcar presença física em todas as capitais do Brasil e algumas cidades do interior.

Cinco anos depois, em 2014, o escritório de advocacia expandiu suas atividades e passou a ter representação em outros países do mundo, como Portugal (Lisboa), Índia (Nova Delhi) e China.

Nelson não esconde o próprio sucesso. Até porque sua trajetória fez valer uma frase dita por sua mãe quando o filho resolveu sair da roça. “Nelsinho, vamos orar a Deus para colocar pessoas que te ajudem porque a mãe e o pai não têm dinheiro”, disse ela. Deu certo.

Wilians veio ao encontro da turma de direito

O advogado Nelson Wilians veio a Bauru no sábado (16) para participar do encontro que marcou os 30 anos da turma com a qual estudou na Instituição Toledo de Ensino (ITE), onde se formou em direito. Wilians desceu de helicóptero no Aeroclube por volta das 8h do dia 16. Reviu amigos e falou à imprensa. Ele compareceu à sede do Jornal da Cidade na manhã do mesmo dia e concedeu entrevista no espaço Café com Política. Após a conversa com o JC, voltou ao Aeroclube para uma confraternização e seguiu, também de helicóptero, até o campo de futebol da Sociedade Hípica de Bauru, local em que aconteceu o reencontro da turma de direito.

O advogado ao lado da esposa, Anne Wilians, presidente e fundadora do Instituto Nelson Wilians, organização social sem fins lucrativos que atua pela democratização de oportunidades e a mitigação das desigualdades sociais
O advogado ao lado da esposa, Anne Wilians, presidente e fundadora do Instituto Nelson Wilians, organização social sem fins lucrativos que atua pela democratização de oportunidades e a mitigação das desigualdades sociais
Nelson Wilians em seu helicóptero ao lado do amigo bauruense Antonio Carlos Burgo (que cuidou da logística da visita) durante a visita do advogado para o reencontro com a turma de direito da ITE
Nelson Wilians em seu helicóptero ao lado do amigo bauruense Antonio Carlos Burgo (que cuidou da logística da visita) durante a visita do advogado para o reencontro com a turma de direito da ITE

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