COLUNISTA

Lendas seriam fake news do passado?

Por Alberto Consolaro |
| Tempo de leitura: 3 min
Professor Titular da USP e Colunista de Ciências do JC
A linda flor do maracujá tem cinco anteras em amarelo, três estigmas em verde e os filamentos em roxo
A linda flor do maracujá tem cinco anteras em amarelo, três estigmas em verde e os filamentos em roxo

Sempre me encantei com a “passion fruit” ou “fruta da paixão”, que em latim é “passiflora”, e no português se chama Maracujá. O nome vem do tupi “mara kuya” que significa alimento ou fruto a servir na cuia. O tupi era a língua predominante no Brasil nos séculos 16 e 17.

O termo “fruto da paixão” foi cunhado pelos jesuítas, pois acharam sua flor muito parecida com a coroa de Cristo. Claro que depois desta semelhança esparramada entre os fiéis, surgiram lendas e descrições. Uma delas, diz que a planta surgiu ao pé da cruz e o sangue de Jesus caiu e tingiu as suas flores que eram brancas. Fica difícil fundamentar esta lenda, pois o maracujá é uma fruta da parte tropical da América do Sul e não tem origem e nem crescia na época e hoje na região do Oriente Médio.

Para a outra lenda do maracujá, paralela à contada anteriormente, precisa-se recordar alguns aspectos da biologia da flores. Provavelmente no século 17, a flor do maracujá foi assim apresentada para o Paulo V (1605-1621) em Roma, que se encantou e ajoelhou-se frente a ela, descrevendo-a como uma revelação divina.

Pela explicação, a flor do maracujá e suas pétalas representaria na natureza, o cálice sagrado. Ela tem ainda cinco anteras amarelas que são as partes da flor para conter o pólen. Cada antera na flor do maracujá seria correspondente a uma das chagas de Cristo.

A flor do maracujá também tem três estigmas que recebem o pólen de outras plantas para iniciar a germinação. Geralmente os estigmas têm uma superfície papilosa recoberta por um líquido pegajoso para a fixação do pólen.  Os três estigmas da flor de maracujá corresponderiam aos cravos na cruz.

Os filamentos ao redor e acima das pétalas formariam a estrutura semelhante a coroa de espinhos sobre a cabeça, enquanto a cor roxa da flor seria o sangue derramado de Jesus. Daí surgiu o nome flor ou fruto da paixão, ou seja, da paixão de Cristo, tanto no latim como no inglês: “passionais fructum” e “passion fruit”.

BEM-TE-VI?

Diz a lenda que quando Herodes determinou a eliminação de todas as crianças no reino para que Jesus não sobrevivesse, pois teria sido anunciado que ele iria nascer naquela determinada época. Os seus pais fugiram para um lugar mais distante e seguro. Nesta trajetória de fuga, um pássaro ficava gritando “bem te vi”, como a denunciar a presença do menino Jesus para os soldados durante aquela perseguição implacável.

Até hoje tem pessoas que não gostam do bem-te-vi, considerando-o traidor ou maldoso por denunciar a localização de Maria e José aos homens de Herodes, mas este animal nunca existiu no Oriente Médio, ela é uma ave típica da América Latina. Isto representa mais uma invenção popular infundada.

REFLEXAO FINAL

As lendas são infundadas, mas tem quem acredita. Quanto mais conhecimento, menos crendices infundadas. A ciência e a cultura são as ferramentas mais eficientes para que uma sociedade desenvolvida tome suas decisões bem fundamentadas e conscientes. Talvez as lendas tenham sido, antigamente, o que hoje chamamos de “fake news”. Reflitamos.

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