CENTENÁRIO

Longevidade: 'O segredo da vida é viver. É saber que todos os problemas têm solução'

O médico Legardeth Consolmagno, quase centenário, conta sobre avanços que presenciou na medicina e como ter uma vida mais leve para, assim, alcançar a longevidade

Por Fernanda Rizzi | 01/01/2024 | Tempo de leitura: 8 min
fernanda.rizzi@jpjornal.com.br

Claudinho Coradini/JP

Legardeth Consolmagno irá completar 100 anos no dia 19 de janeiro
Legardeth Consolmagno irá completar 100 anos no dia 19 de janeiro

No dia 19 de janeiro de 2024, Legardeth Consolmagno completará 100 anos de uma vida marcada de realizações, aprendizados, notáveis contribuições à medicina e à comunidade de Piracicaba. Nascido em Rio das Pedras, veio para Piracicaba em 1933, onde fundou a Ótica e Relojoaria Consolmagno, na rua Governador Pedro de Toledo. O médico passou alguns anos fora da cidade, retornando em 1959.

Começou sua jornada acadêmica na Escola Normal, a antiga Escola Sud Mennucci, onde superou obstáculos iniciais de alfabetização. Em 1952, se formou em medicina pela Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, e iniciou sua carreira como médico do sertão, participou do atendimento no primeiro surto de febre amarela, realizou partos, e especializou-se depois em oftalmologia.

Reconhecido por sua notável carreira, Consolmagno recebeu o título de “Médico do Ano” da Associação Paulista de Medicina em 2001 e, no ano seguinte, foi homenageado como “Cidadão Piracicabano” pela Câmara Municipal de Piracicaba. Também participou do Primeiro Congresso de Ética Médica, ocasião em que foi estabelecida a terceira reforma do código de ética médica, que contou com a participação de 200 profissionais.

Hoje, seu legado transcende a medicina, se estende à família, no qual mantém um casamento de 75 anos com Dalvina Consolmagmo, com quem teve cinco filhos, sendo eles: Cristina, Gina, Carlos, Estela e Ligia, também cercado por netos e bisnetos

Nesta entrevista ao Jornal de Piracicaba, o médico quase centenário compartilha suas experiências, os avanços que presenciou na medicina ao longo do século e como ter uma vida mais leve para, assim, alcançar a longevidade.

Conte um pouco sobre a sua trajetória. Eu nasci em 19 de janeiro, na cidade de Rio das Pedras. Aliás, toda a minha família é de Rio das Pedras. O meu avô tinha um filho mais velho, italiano, e nove nasceram em Rio das Pedras. Então, meu pai também, eu nasci e os meus quatro irmãos, todos nós nascemos em Rio das Pedras. Eu só vim para Piracicaba em 1933. Nessa minha primeira infância, eu fiz o primeiro ano primário em Rio das Pedras, foi no ano de 1932, da Revolução. E, por coincidência, naquele tempo eu entrei na escola com 7 anos, pois não podia entrar com menos. Minha professora na época tinha um irmão que também estava na Revolução, então, ela chorava muito e participava muito pouco das aulas. E nesse 1933, então, que teve na Revolução, nós nos mudamos para cá [Piracicaba], com o meu pai. A família toda aqui, e fomos fazer matrícula na Escola Normal naquele tempo, que hoje é Sud Mennucci. E fiz a matrícula para o segundo ano, mas eu não pude, pois não era alfabetizado, e precisei fazer o primeiro ano de novo, e realmente eu não estava alfabetizado. Depois também descobriram um outro problema: que eu não enxergava direito, tinha miopia. Com isso, o meu primário foi, na realidade, aqui no Sud Mennucci, quando nós nos mudamos para cá. E aí também os meus irmãos, todos nós, éramos quatro, os quatro homens, e estudamos aqui. Depois eu fiz o ginasial no antigo Dom Bosco Assunção, era a parte masculina. Então, eu fiz o ginásio ali. Depois disso, eu fui fazer medicina em Curitiba, na Universidade Federal do Paraná. Eu me formei em medicina em 1952.

De onde veio a paixão pela medicina? Desde pequeno, desde criança. É interessante que na família não tinha médico, nenhum dos filhos, ninguém era médico. Meu pai não era muito dado, não. Ele tinha pavor de sangue. Ele tinha esperança de que continuasse trabalhando com ele na loja, mas eu achava bonito, gostava. Eu gostava de ouvir as histórias contadas por médicos, e fui me envolvendo ao ponto de gostar da medicina e querer ser médico.

Como escolheu a oftalmologia? Meu pai tinha uma casa de ótica quando eu ainda estava estudando. Eu gostei da oftalmologia, mas de início, eu não tinha condição de me formar e já iniciar a profissão. Naquele tempo, os equipamentos eram caríssimos. Não havia essa facilidade de compra de material parcelado, era tudo importado e no valor do dólar. Tinha que ser encomendado e o pagamento precisava ser à vista. Eu iniciei a vida profissional fazendo um pouco de tudo. Estive no interior do estado do Paraná, dois filhos meus nasceram lá. Eu tive de fazer um período de cinco anos trabalhando como médico cirurgião geral para fazer o percurso e fazer a compra do consultório. Eu atuei 68 anos como médico, até os meus 96 anos. Quando veio a pandemia, o consultório fechou e eu não voltei mais. Já estava com 96 anos também (risos) e a minha carteira de motorista ia vencer. Minha família disse que eu não deveria continuar mais e acabei concordando.

Como médico, quais evoluções o senhor viu dentro da medicina que nunca imaginou que poderia acontecer durante este século? É inacreditável, né? É uma outra medicina, é uma outra formação, é um outro conceito de doença e de doente. Isso nesses 30 anos, 40 anos, a modificação foi muito grande e vai ser muito maior ainda nesses próximos 20 anos. A medicina daqui a 20 anos vai ser completamente diferente dessa que nós estamos vendo atualmente. A maior aquisição que a medicina tem, foram os antibióticos, os quimioterápicos e os corticoides. Isso tudo revolucionou a medicina de uma forma tal, que era de uma empírica patrônica, que já tinha um conteúdo científico muito pesado, mas na parte prática, na vida do paciente, ela não agia porque ainda era uma terapêutica que não tinha condições de oferecer um padrão de vida que é suficientemente rápido para recuperar a vida. E com o antibiótico tudo mudou completamente. Por exemplo, morria-se de febre tifoide e dava muita febre tifoide. Se ele não era vacinado da febre tifoide e tivesse a chance de morte, era muito grande, ou uma doença muito longa de tratamento muito ruim. Então, com o antibiótico, acabou. E daí foi a tuberculose, inclusive a própria vacina da lepra. O que a gente está apanhando ainda é do câncer, mas cada vez com condições de diagnóstico mais precoce. E quanto mais precoce o diagnóstico, maior a possibilidade de cura. Depois que o câncer é curável na fase inicial, depois que ele é metastático, depois que ele passou. Quando ocorre de passar para outros órgãos, ou para a corrente sanguínea, aí já é mais difícil o tratamento. Então, isso foi a grande revolução da medicina, mudou completamente, mudou tudo, assim, por intermédio dos antibióticos e da cortisona. E é a evolução que nós já tivemos, que já vinha vindo, e que ainda continua cada vez mais, que é a vacinação cada vez mais eficiente, cada vez mais. É positivo o resultado, porque não é tratar, é evitar, não é isso? Essa que vai ser a medicina da cultura, não vai tratar a doença, mas vai evitar a doença, esse vai ser, vai modificar a sua estrutura, o seu DNA vai ser modificado, porque ele nasceu com aquele defeito que poderá ser corrigido. Assim como a vacina não te deixa ficar doente, é como é feita a correção do DNA.

Como é a relação com a sua família? Quais momentos foram os mais marcantes? Bom, meus cinco filhos, hoje todos eles são pais, eles têm me dado toda a proteção e amparo. Eu já estou muito dependente e estou recebendo todo o auxílio, me acompanham em todos os meus movimentos. Foi uma criação feliz porque tínhamos condições. A mãe deles teve um tempo integral e nunca trabalhou porque com cinco filhos era difícil ter um emprego e cuidar das crianças. Meus filhos são todos alegres, muito participativos, muito brincalhões e estudiosos. Todos eles se formaram e estão encaminhados porque foram sempre dedicados a algum estudo. Tenho meus netos e bisnetos. Meus netos já estão com 40 anos e tenho os netos adicionais, porque uns vieram com sanguinidade e os que foram agregando a família, que eu gosto muito e entre nós não há diferença nenhuma, é tudo igual.

Conversamos sobre as mudanças dentro da medicina, e fora da medicina, o que senhor nunca imaginou que estaria vendo nos dias de hoje? Para mim, ainda há necessidade de uma participação maior do público com as atividades culturais. As pessoas precisam ter maior convivência, a escola não é só aprender a ler, escrever ou calcular, não é isso, só isso, também faz grande parte da formação, e isso está fazendo falta hoje na escola também. Porque antigamente a professora, desde cortar as unhas até matar os piolhos e tratar das conjuntivites, elas ensinavam aquelas pequenas coisas que é da vida normal, que no geral não estão recebendo em casa. É isso que está precisando, é uma comunicação maior da parte de convivência humana.

Qual é o segredo para a longevidade? É viver. Viver e enfrentar a vida. Sabendo que todos os problemas, todas as coisas, têm solução. Mais cedo, mais tarde, com uma tarde, sem uma tarde. Então, não adianta se desesperar, as dificuldades virão sempre em todos os lugares. Se for querer resolver tudo na mesma hora, acho que o importante é enfrentar, é saber que existe e dar tempo ao tempo. Não se desesperar ou querer resolver todos os problemas da mesma hora. A maioria de nossos problemas se resolve sozinhos. A natureza se encarrega de endireitar.

O senhor também foi muito amigo do dr. Losso Netto, médico e ex-diretor do Jornal de Piracicaba, certo? Ele era culto, inteligente, tinha uma vocação artística muito boa. Ele tinha uma presença cultural muito forte. Trabalhamos juntos, era um grande amigo.

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1 COMENTÁRIOS

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  • Claudia Bonatto
    19/01/2024
    Parabéns ao Dr. Consolmagno! Não o conheço mas agora sou administradora pela longevidade e história de vida maravilhosa. Parabéns ao Jornal que com histórias assim nos faz sentir esperança, nós somos sempre grato por trazer uma luz no meio desses noticiários. Obrigada JP.