OPINIÃO

Argumentos de sangue

Por Roberto Magalhães | 14/11/2023 | Tempo de leitura: 3 min

O autor é professor de redação e autor de obras didáticas e ficcionais

Existem pessoas que têm opiniões, mas existem opiniões que têm pessoas. Quando se tem opiniões, aparecendo outra melhor, a troca é possível. Mera questão de decisão. Quando as opiniões têm as pessoas, nenhuma possibilidade de mudança há. Só o sujeito pode conjugar o verbo. O sujeito manda o objeto obedece. Dá pra dizer que a coisa é mais ou menos assim: um é senhor, o outro, escravo. Escravo da opinião, claro.

Quando dois sujeitos conversam, a coisa é bonita de ver. Ainda que pensem diferente, vistam cores diferentes, ajoelhem por deuses diferentes, empunhem bandeiras diferentes, ainda que sejam tão diferentes, são iguais. Iguais na capacidade humana de pensar. Um diz o outro ouve. Às vezes concordam. Outras vezes, não. Defendem livremente suas convicções sem necessidade de o outro insultar ou ferir. Não levantam a voz, tampouco estufam as veias do pescoço emocional. Sabem que não têm no bolso toda a verdade e que com o outro podem alguma coisa aprender. Sabem que jamais deverão fechar o portão para o outro não entrar. Depois, vem o garçom, deixa comigo, eu pago o cafezinho, abraçam-se, me liga, cara, precisamos conversar, saudações à família.

A gente não pode dizer que os tempos são outros e que uma conversa assim é utópica. Não o é. É apenas uma conversa boa de seres pensantes. O filósofo e pensador Russo Mikhail Mikhailovich Bakhtin fez importante distinção entre discurso autoritário e o discurso internamente persuasivo. O discurso autoritário é uma fala de imposição, não aceita o diálogo, considera a sua verdade como absoluta e acabada. Ao contrário, o discurso internamente persuasivo quer dialogar, organiza-se como metade de um e metade do outro num processo sempre aberto que se enriquece continuadamente pela troca de informações.

O discurso fanático é autoritário. Foge do diálogo, mantém o epidérmico por temer o risco da profundidade. Por ser reducionista e maniqueísta, define apressadamente quem são os representantes do bem e do mal, definindo quem é o inimigo a ser combatido, ou seja, aquele que ousou pensar diferente. O pensamento fanático tem como aliado o discurso do ódio. Vai para a "conversa" como se fosse pra guerra. Para fazer valer a sua verdade, nega tudo, principalmente o que possa trazer novas formas de pensar. Nega a ciência. Nega a arte. Nega a cultura. Nega, enfim, a polissemia. O fanatismo precisa ser negacionista para poder afirmar a sua autoritária verdade. Para tanto, elege uma liderança acima do mal, um ser que represente o bem, um infalível. O discurso internamente persuasivo vai na direção contrária: verticaliza a reflexão, convida outras possibilidades reflexivas, considera a complexidade e a relatividade de tudo, não fecha a questão. Sabe que "há mais coisas entre o céu e a terra do que possa imaginar a nossa vã filosofia." Obrigado, Shakespeare.

A história tem nos mostrado como o fanatismo se dá bem com a violência. Com triste memória, lembramo-nos do holocausto, das inúmeras guerras santas e das ações terroristas absurdas, hoje tão presentes entre nós. Tanto sangue, tanta dor porque não se sabe conversar. Dias difíceis temos vivido. Estamos todos machucados, sangrando com as imagens nauseantes de violência perpetrada por seres que se dizem humanos. Pior, em terra santa.

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