OPINIÃO

Dias demais desabrigados

Por Alexandre Benegas | 08/11/2023 | Tempo de leitura: 2 min

O autor é professor de Língua Portuguesa

Bicho estranho é o homem. Olhos farejantes, atrevidos, focinhando na vida alheia manias, gestos. Uns cuspindo na coragem da língua atrevimento. Outros salivando medo perturbado. Cada qual - incomoda saber? - traz em si a conjugação verbal que lhe cabe. Na vida concretada, é pedra, cimento e cal. É menina de 12 anos grávida, posto sem médico, remédio que falta. É espera, de novo, enfileirada. É chão de terra batido, batido. É pobreza como riqueza. No lado alto da cidade, é badalo dos olhos, taças cúmplices bebemoram a absolvição do Júnior, réu acusado de atropelar e matar a carne preta. Davi ou Golias, pouco importa. Muito se mostra, contudo, muito mais se esconde. Fizeram a gente acreditar no abraço, acenando união. Fizeram a gente acreditar no riso, na música da festa. Fizeram a gente acreditar - que porcaria! - nessa gente selfiando sorriso fermentado, postiço nas redes sociais. A gente só percebe o quanto o riso da festa mentia depois que apaga a luz e fecha a porta, depois que o número de curtidas decepciona nosso ego inquietante.

Não mais perturba saber das nossas guerras. Do agravamento da crise de segurança pública no país. Embora de roteiro conhecido, apresenta proporções inusitadas. No Rio de Janeiro, numa tarde de segunda-feira, em questão de horas, bandidos armados renderam ônibus que circulavam, espalharam gasolina no chão e atearam fogo nos veículos. A cena, concentrava pânico, mastigando impotência, incapacidade histórica do Estado de lidar com a violência.

Rússia, Ucrânia, Israel, Hamas, inocentes servidos como escudos. Sem suprimentos, crianças palestinas são operadas sem anestesia! Drummond, por favor!, em sua sabedoria poetada, "Posso, sem armas, revoltar-me?" Qual reação pra essa ração diária de erro? Em dias assim, nebulosos, de um cinza inalterável, de tiros e explosões iluminando tudo com uma claridade inimiga da paz. Pior mesmo é essa ilusão geral do sono, com convite de recomeço, de ter a cada dia que escolher roupa renovada e cara mentindo esperança, do outro com conversa fuxicada, que atocaia sorrindo-nos com torpor restituído e alguma coisa, sim, alguma coisa que possa aprender, por mínima que seja, ora da alegria despropositada da piada contada pela segunda vez, ora de uma lembrança reposta pela convivência fraternal.

Pela mídia, vejo um menino palestino, órfão, chamado Muhammad Abu Louli, em estado de choque, sendo acolhido por médico, após sua casa estar na linha de bombardeiro de mísseis. Entre a fé e o fuzil, a terra tenta inutilmente absorver os corpos que os mísseis projetam no chão.

Podem, no mínimo, guardar-lhes a alma.

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