O Brasil estará entre os pioneiros e será a vanguarda da transição energética mundial. A declaração é do deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania), novo relator do Projeto de Lei (PL) do Combustível do Futuro, que traz avanços na legislação brasileira sobre combustíveis e energia. "Há um vasto caminho a ser explorado, a começar pelo potencial do etanol e do biodiesel", afirma o parlamentar.
Para Jardim, as sinalizações da Petrobras de que deixará de ser uma empresa somente voltada ao petróleo e se transformará numa empresa de energia é muito positiva e acompanha tendências mundiais.
Em entrevista ao JC, ontem, o parlamentar comentou também os 10 primeiros meses do governo Lula, a polarização política e as reformas pelas quais o País ainda deve passar. A seguir, os principais trechos da conversa.
JC - O Brasil vive um cenário favorável à transição energética. O senhor já defendia, por exemplo, a necessidade de uma regulamentação do mercado de carbono. E agora será relator do PL da transição energética. O que significa o projeto, na prática?
A.J - Primeiro precisamos reconhecer que o Brasil voltou aos grandes fóruns internacionais neste novo governo. E uma marca destes eventos é a busca pela sustentabilidade, os caminhos para que o mundo faça a transição energética e combata os gases do efeito estufa. O mundo vive hoje uma série de fenômenos como secas agudas, inundações sem precedentes. Uma instabilidade perigosa.
E estamos nos preparando para que o Brasil seja protagonista no debate em torno da sustentabilidade. Na semana passada, o Senado aprovou o projeto que estabelece os princípios para o mercado de carbono. É um texto bom, que tem apoio de diversas entidades. Isso vai agora para a Câmara, onde devemos aprovar com poucas alterações.
Paralelamente, temos o desafio de implementar os biocombustíveis. O Brasil tem uma bagagem de energia renovável tradicional, que começou com as hidrelétricas e continuou no bagaço da cana, por exemplo. Hoje há um impulso com a energia eólica e a fotovoltaica, que crescem de forma extraordinária.
Há um vasto caminho a ser explorado, a começar pelo potencial do etanol e do biodiesel. E uma novidade muito boa está no surgimento do biogás e do biometano. Tudo isso está no PL do Combustível do Futuro, encaminhado pelo Executivo e do qual serei relator. Vamos discutir a questão do querosene para a aviação e do combustível sintético.
JC - O presidente da Petrobras afirmou recentemente que a empresa se prepara para a transição, mas que a empresa ainda não pode deixar o petróleo de lado. Como o sr. enxerga a Petrobras no cenário atual e o caminho da transição à empresa?
A.J - A Petrobras faz uma migração que vejo como muito positiva. A ideia é deixar de ser uma empresa de petróleo para se tornar uma empresa de energia. Não há como ignorar que, de toda a energia consumida pelo mundo, apenas 3% vêm de fontes renováveis. O Brasil consome mais, mas essa é a media mundial. A base dos Estados Unidos e da China está nos combustíveis fósseis. Isso significa que temos um caminho a percorrer. Quando o presidente da estatal afirma que prepara a empresa para essa mudança, é um sinal muito positivo.
E quando falamos em planejamento não podemos deixar o hidrogênio de lado. Ele será o combustível do futuro. Teremos uma verdadeira mudança quando conseguirmos produzir o hidrogênio em escala e fornecê-lo a um preço mais acessível.
O Brasil será a vanguarda desta nova economia. E isso abre um horizonte para o agronegócio, que poderá produzir também energia a partir dos biocombustíveis.
JC - É uma transição um pouco difícil. Na Europa fala-se sobre isso há décadas e não houve até hoje uma mudança completa. O sr. certamente conversa com investidores. Como está a expectativa deles?
A.J - Há um entusiasmo que me surpreende. O grupo Zilor, que tem uma usina na região, acaba de anunciar que está se preparando para produzir combustível sustentável para a aviação. Todo o setor sucroenergético está caminhando para isso. Há um movimento crescente nessa área. O Brasil precisará ter sabedoria sobre onde e como investe recursos nesse sentido. Não podemos perder a corrida.
JC - Existe a previsão de incentivos a esses setores?
A.J - Sim. No caso do hidrogênio, principalmente. Alguns incentivos são tributários, com menor incidência de impostos e taxas. Outros, regulatórios, com a permissão de acesso a infraestrutura de distribuição de energia sem custo.
JC - Estamos no décimo mês do novo governo. Como o sr. avalia o início do terceiro mandato do presidente Lula?
A.J - Eu festejo a diminuição do grau de radicalização e polarização que o País vivia. As posições mais extremas estão diminuindo, e as pessoas têm migrado a uma posição de maior equilíbrio. O próprio Lula assumiu com um discurso muito partidário, mas caminhou ao centro. Precisamos de gente que se esforce em busca das convergências.
JC - Nesse aspecto talvez entre o papel do ministro Fernando Haddad. Como o sr. viu a aprovação da reforma tributária e do arcabouço fiscal? O sr. tem dialogado com ele sobre a transição energética?
A.J - O ministro Haddad é uma das boas surpresas que tivemos. Ele foi decisivo para diminuir os conflitos na relação do agronegócio, o carro-chefe da economia do País, com o novo governo. Superamos essa crise e ainda conseguimos um bom Plano Safra e me reuni na semana passada com o Haddad para discutir a questão do seguro [agrícola], um setor que podemos melhorar.
Daí a importância de uma outra frente parlamentar da qual estou à frente, a do Brasil Competitivo. Tivemos nos últimos anos muita discussão em torno do chamado "custo País", que avalia problemas relacionados à burocracia excessiva e qualidade do gasto público, por exemplo.
Na Câmara construímos um bom texto da reforma tributária e creio que não haverá grandes alterações no Senado. Até para manter a neutralidade do projeto e evitar distorções. Fora isso, há a reforma administrativa, que é uma questão urgente ao País. Precisamos dar uma qualidade maior ao controle do gasto público. Torná-lo efetivo.
E mudar algo que precisa ser dito: a estabilidade no setor público. Claro que há exceções, setores nos quais isso é crucial. Mas existem aqueles em que não há essa necessidade. A estabilidade precisa estar vinculada ao desempenho do funcionário público.
JC - Setores do governo Lula defendem a revisão da reforma trabalhista, por exemplo. Há clima para isso?
A.J - De maneira nenhuma. Todos os movimentos que apontam para um retrocesso em reformas e marcos regulatórios serão rejeitados. Se o governo quer estabilidade política, deve respeitar essas mudanças.
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