COLUNISTA

O câncer e o HPV: que vitórias!

Por Alberto Consolaro | 30/09/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Professor Titular pela USP e Colunista de Ciências do JC

Henrietta Lacks e suas células imortais!
Henrietta Lacks e suas células imortais!

Por anos pesquisei células animais e humanas em meios de cultura compostos por aminoácidos e sais minerais como nutrientes. Para proliferarem, deve-se trocar o meio de cultura e remanejar as células a cada dia, pois se esgota as condições ambientais. Não é fácil cultivar células, dá muito trabalho e a contaminação das culturas com químicos, microrganismos e células indesejáveis são frequentes.

Hoje, se prefere comprar células, já em meios de cultura apropriados, para serem submetidas a testes com drogas, contaminações, vacinas, mutações genéticas para o estudo do câncer, tudo com muito dinheiro envolvido. As mais populares são as células HeLa (fala-se rilá), mas por anos não se sabia o que estava atrás destas 4 letras: uma mulher chamada Henrietta Lacks. Até nas primeiras missões espaciais, elas foram levadas para checar como se comportavam células humanas em gravidade zero.

MORREU

Ao ser internada no Hospital Johns Hopkins em 1951, para diagnosticar e tratar um câncer no colo uterino tipo carcinoma epidermoide, pesquisadores liderados por George Gey, sem pedirem autorização, coletaram e cultivaram suas células malignas.

Tentativas com outras células fracassaram, mas com as de Henrietta conseguiram construir uma verdadeira fábrica de células para pesquisas, pois elas proliferavam aceleradamente, com um mínimo de exigências ambientais, viabilizando seu comércio para o mundo. Aos trilhões, estas células são compradas, vendidas, embaladas e enviadas a todos continentes, a um custo de 25 a 100 dólares por frasco pequeno.

Ela morreu aos 31 anos, mas apenas depois de 22 anos, sua família tomou conhecimento do que aconteceu e nunca se beneficiou de nada, nem um centavo. Nos grandes laboratórios as células HeLa, camundongos e preás são os burros de carga nas pesquisas. No mundo da ciência mais de 80 mil trabalhos científicos foram publicados com células HeLa, sendo mais de 350 artigos por mês.

Elas proliferam e trocam de geração a cada 24 horas e fazem isto até hoje de forma contínua. As células HeLa representam uma das principais descobertas biomédicas do século passado e o que mais espanta: seus filhos descobriram isto apenas depois de 20 anos de sua morte. Mas, por que as células de HeLa proliferam e não morrem nunca?

INCRÍVEL

O virologista alemão Harald Zur Hausen foi ridicularizado quando afirmou que o câncer uterino era provocado por um dos mais de 200 subtipos de HPV ou papilomavírus humano. Quando ficou sabendo da proliferação incessante das células de HeLa, ele pediu ao Hospital Johns Hopkins para procurar o vírus nas células cancerosas originais de Henrietta.

O HPV tipo 18 estava lá, e o marido dela era um homem sexualmente promíscuo. O gene p53, que temos nas células, se ativado leva a morte celular quando necessária, o que se chama apoptose, mas se ele for inativado, as células não morrem e a vida celular não para, dando origem ao câncer.

Ao inibir o gene p53, as células HeLa não morrem mais e nem param de proliferar! O câncer de colo uterino está associado ao HPV 18 e outros subtipos. Para evitar 100% deste câncer, é que se deve vacinar as crianças contra o HPV. Com esta descoberta, o virologista Hausen ganhou o Nobel de Medicina em 2008.

REFLEXÃO FINAL

Em agosto, os descendentes de seus 5 filhos anunciaram um acordo com a empresa Thermo Fisher, que lucra todos os dias com as células de Henrietta Lacks. O exemplo de luta desta família, o consequente prêmio Nobel do virologista Hausen e a geração de uma vacina anticâncer pelo HPV, são três vitórias históricas que revelam o universo conspirando a favor dos bem-intencionados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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