COLUNISTA

Ingratidão

Por Hugo Evandro Silveira |
| Tempo de leitura: 4 min
Pastor Titular - Igreja Batista do Estoril

A ingratidão é um traço complexo que varia de pessoa para pessoa. Em essência, trata-se da falta de reconhecimento, apreciação ou gratidão pelas pessoas ou coisas que contribuem de maneira positiva para nossas vidas. Ela se manifesta de várias formas, como deixar de agradecer, menosprezar os favores recebidos e até mesmo demonstrar hostilidade em relação àqueles que nos ajudaram.

A essência da ingratidão reside na atitude egoísta e na falta de consciência do valor dos outros. Muitas vezes, isso surge de uma mentalidade que se concentra exclusivamente em interesses e necessidades individuais, sem considerar os esforços, sacrifícios ou generosidade daqueles que nos auxiliaram. Pode também decorrer da ingenuidade de não perceber a importância do que recebemos, da falta de consciência do impacto positivo que outras pessoas tiveram em nossas vidas ou até mesmo da arrogância de acreditar que merecemos tudo o que possuímos, sem a contribuição de ninguém.

Do ponto de vista religioso, a ingratidão é considerada uma falha moral, pois viola os princípios de gratidão, humildade e reconhecimento da bondade e das bênçãos de Deus. A fé nos ensina a sermos gratos não apenas pelas bênçãos tangíveis que recebemos, mas também pela graça, amor e perdão que Deus nos concedeu. Na ótica bíblica, a ingratidão é um pecado que nasce de um coração que não responde às riquezas da misericórdia de Deus. Como a Bíblia declara, "todo dom, bom e perfeito, vem do alto, do Pai da luz que está nos céus" (Tiago 1.17). O coração ingrato nega a origem divina desses dons e, ao fazê-lo, despreza o próprio doador.

Superar a ingratidão requer uma mudança de percepção e um aumento na consciência do valor humano e do bem-estar na vida. Isso inclui cultivar a gratidão, expressar gratidão de coração e reconhecer o impacto positivo que os outros têm em nosso caminho. Ao contrário da ingratidão, a gratidão nos conecta com os outros, nos ajuda a apreciar e valorizar as dádivas da vida, fortalece relacionamentos saudáveis e promove o bem-estar emocional e espiritual.

Os israelitas foram milagrosamente libertados da escravidão no Egito (Êxodo 14), mas eles murmuraram repetidamente a Deus no deserto, reclamando de sua situação e ansiando por sua antiga vida no Egito (Números 11.4-6). Por causa da ingratidão, eles deixaram de reconhecer a graciosa provisão e proteção de Deus. A ingratidão pode se manifestar de várias formas, todas elas mostrando desrespeito pelo próximo que nos auxilia, sobre tudo pelo Todo-Poderoso que governa nossas vidas. Essas formas podem incluir:

•Desprezar as bênçãos de Deus: ao negligenciar a gratidão pelos dons divinos, revelamos um coração insensível à Sua generosidade e indiferente ao Seu amor (Salmo 100.4-5).

•Reclamar diante das provações: murmurar nas dificuldades é uma reação lamentável. Quando nos concentramos apenas em nossas próprias adversidades, em vez de reconhecer a bondade de Deus, questionamos Sua sabedoria, duvidamos de Seu amor e negamos Sua soberania (Filipenses 2.14-15).

•Ignorar os avisos e disciplinas de Deus: ao ignorar a correção amorosa de Deus, demonstramos falta de respeito por Sua autoridade e resistimos à nossa evolução pessoal (Hebreus 12.5-11).

•Rejeitar o evangelho da graça: a manifestação final da ingratidão é recusar a oferta graciosa de salvação de Deus por meio de Jesus Cristo (João 3.16-18; Hebreus 2.3).

Nossas percepções do cuidado providencial de Deus são reveladas pela gratidão que demonstramos. Isso indica se reconhecemos ou escolhemos não reconhecer Sua soberania em todos os aspectos da vida. Ao sermos gratos, reconhecemos essencialmente a bondade, sabedoria e poder de Deus, confiando em Sua capacidade de nos prover e proteger. O Catecismo de Heidelberg nos lembra de maneira eloquente que a providência de Deus é Seu poder onipotente e sempre presente, sustentando o céu, a terra e todas as criaturas, governando-as de forma que cada folha, chuva, ano fértil ou estéril, comida, saúde, riqueza ou pobreza não ocorram por acaso, mas pela mão paternal de Deus (Perguntas e respostas 27-28). Ser grato, portanto, é reconhecer o próprio fundamento de nossa esperança e segurança no Criador.

Por outro lado, um coração ingrato é um obstáculo para a grandeza - reflete falta de humildade e impede o desenvolvimento de virtudes como oração, fé, coragem, satisfação, felicidade, amor e bem-estar. É nosso dever cultivar um espírito de gratidão ao próximo e que, acima de tudo, reconheça a mão de Deus em todas as coisas, exaltando-o como o soberano, amoroso e sábio governante de nossas vidas. Ao expressar nossa gratidão, testemunhamos uma virtude divina para com os outros e trazemos glória ao Deus que nos formou.

 

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