OPINIÃO

OPINIÃO

Falou, tá falado...

Falou, tá falado...

Por Roberto Magalhães | 16/05/2023 | Tempo de leitura: 3 min

O autor é professor de redação e autor de obras didáticas e ficcionais

Por Roberto Magalhães
16/05/2023 - Tempo de leitura: 3 min
O autor é professor de redação e autor de obras didáticas e ficcionais

Mas o outro entendeu? Sendo inteligente, ele entendeu algo aproximado do que foi dito. Não sendo, Nabuco Donosor vira, na orelha dele, "nabo é coisa do Senhor". A explicação é simples. Quem ouve não escuta apenas com os ouvidos, mas muito mais com a cabeça. E a cabeça é um porão que tem cacareco demais: preconceitos, valores morais, crenças, traumas, princípios religiosos, enfim essa massa de experiências que nos faz únicos. Então quem ouve mistura o que é dito com o que viveu e acaba entendo o que lhe é dito de um jeito só seu. Dá pra dizer que 50% do significado é da boca que diz, mas a outra metade é dos ouvidos que escutam. Entender exatamente o que outro diz é besta pretensão. E querer que ele assim nos entenda é asnático. Imagine um cego tentando agarrar, num quarto escuro, um gato que não está lá dentro. Nessa imagem criativa de Paulo Mendes Campos, fica evidente que o pobre cego não vai agarrar esse bichano nunca! Em termos de comunicação, estamos exatamente assim: num quarto escuro atrás de um gato que nunca esteve ali.

Os religiosos entendem que o problema é bíblico e teria começado com a chamada torre de Babel. Deus, observando a pretensão dos homens de construir uma torre que alcançasse o céu, poderia simplesmente ter puxado a escada e derrubaria todos. Mas fez coisa mais sábia: misturou os idiomas. Cada um passou a falar uma língua diferente. Ninguém entendendo ninguém, a torre de Babel foi pro beleléu. Hoje, a situação é bem outra, a gente até entende o que o outro diz, mas de forma aproximada. Sobretudo, do jeito que nos interessa e nos convém. Cada um puxa a sardinha para sua brasa interpretativa. E onde existem muitas verdades e todo mundo defende a sua, ninguém se entende.

Maridos e mulheres conversam por décadas e cada vez mais se entendem menos. A esquerda diz que a injustiça deste mundo se deve à direita. A direita garante que toda merda é culpa da esquerda. Millôr tem opinião diferente: "Não gosto da direita porque ela é de direita e não gosto da esquerda porque ela é de direita". Dá pra perceber que a vida é babélica, uma confusão labiríntica. E tem mais, como entender o outro se a gente não se entende. Moram em nossa cabeça muitos eus conflitantes. Um manda a gente comer a vermelha maçã. Depressinha, vem outro com o dedo acusador encher o saco com essa história de pecado original.

Fico pensando que esse problema de comunicação tende a piorar e muito. Sobretudo, porque estamos conversando muito mais. Claro, pelas redes sociais. Não mais falamos, teclamos. E, ao que parece, estamos gostando dos nossos dedos tagarelas. A gente não precisa sequer sair de casa para papear com dezenas de amigos, pouco importando onde estejam ou em que lugar deste mundão morem. Dá pra papear muito à vontade, até de cueca e às vezes sem ela, e ninguém fica sabendo. Conversinha rápida, com uma desculpinha qualquer, a gente diz tchau. É não precisa do perigoso olho no olho, nem aguentar pessoas que falam berrando e, pior, conversam cuspindo na gente. Fácil ainda é mentir e ser agradável. Com um dedo só, a gente ri hipocritamente kkkkkkkkk, e, querendo, enche a conversa de coraçõezinhos e outros emojis.

Pensei bastante e concluí que Deus sabe o que faz. Se Ele quis que fôssemos assim babélicos, razão de sobra para isso haverá. O Pai está certo, melhor é a gente não se entender realmente. Se um entendesse exatamente o que o outro está dizendo, briga de foice haveria.

Que continuem felizes os cônjuges por não se conhecerem realmente. Bom ainda que todas as nossas conversas sejam nubladas, nossos olhos não suportariam tanta luz. Baudelaire dizia que o mundo só funciona graças ao mal entendido que, felizmente, envolve todos nós. Então, continuemos na caverna de costas para a luz. Não suportaríamos entender o exato significado do que nos é dito. Fiquemos com as sombras. Obrigado, Platão!

Mas o outro entendeu? Sendo inteligente, ele entendeu algo aproximado do que foi dito. Não sendo, Nabuco Donosor vira, na orelha dele, "nabo é coisa do Senhor". A explicação é simples. Quem ouve não escuta apenas com os ouvidos, mas muito mais com a cabeça. E a cabeça é um porão que tem cacareco demais: preconceitos, valores morais, crenças, traumas, princípios religiosos, enfim essa massa de experiências que nos faz únicos. Então quem ouve mistura o que é dito com o que viveu e acaba entendo o que lhe é dito de um jeito só seu. Dá pra dizer que 50% do significado é da boca que diz, mas a outra metade é dos ouvidos que escutam. Entender exatamente o que outro diz é besta pretensão. E querer que ele assim nos entenda é asnático. Imagine um cego tentando agarrar, num quarto escuro, um gato que não está lá dentro. Nessa imagem criativa de Paulo Mendes Campos, fica evidente que o pobre cego não vai agarrar esse bichano nunca! Em termos de comunicação, estamos exatamente assim: num quarto escuro atrás de um gato que nunca esteve ali.

Os religiosos entendem que o problema é bíblico e teria começado com a chamada torre de Babel. Deus, observando a pretensão dos homens de construir uma torre que alcançasse o céu, poderia simplesmente ter puxado a escada e derrubaria todos. Mas fez coisa mais sábia: misturou os idiomas. Cada um passou a falar uma língua diferente. Ninguém entendendo ninguém, a torre de Babel foi pro beleléu. Hoje, a situação é bem outra, a gente até entende o que o outro diz, mas de forma aproximada. Sobretudo, do jeito que nos interessa e nos convém. Cada um puxa a sardinha para sua brasa interpretativa. E onde existem muitas verdades e todo mundo defende a sua, ninguém se entende.

Maridos e mulheres conversam por décadas e cada vez mais se entendem menos. A esquerda diz que a injustiça deste mundo se deve à direita. A direita garante que toda merda é culpa da esquerda. Millôr tem opinião diferente: "Não gosto da direita porque ela é de direita e não gosto da esquerda porque ela é de direita". Dá pra perceber que a vida é babélica, uma confusão labiríntica. E tem mais, como entender o outro se a gente não se entende. Moram em nossa cabeça muitos eus conflitantes. Um manda a gente comer a vermelha maçã. Depressinha, vem outro com o dedo acusador encher o saco com essa história de pecado original.

Fico pensando que esse problema de comunicação tende a piorar e muito. Sobretudo, porque estamos conversando muito mais. Claro, pelas redes sociais. Não mais falamos, teclamos. E, ao que parece, estamos gostando dos nossos dedos tagarelas. A gente não precisa sequer sair de casa para papear com dezenas de amigos, pouco importando onde estejam ou em que lugar deste mundão morem. Dá pra papear muito à vontade, até de cueca e às vezes sem ela, e ninguém fica sabendo. Conversinha rápida, com uma desculpinha qualquer, a gente diz tchau. É não precisa do perigoso olho no olho, nem aguentar pessoas que falam berrando e, pior, conversam cuspindo na gente. Fácil ainda é mentir e ser agradável. Com um dedo só, a gente ri hipocritamente kkkkkkkkk, e, querendo, enche a conversa de coraçõezinhos e outros emojis.

Pensei bastante e concluí que Deus sabe o que faz. Se Ele quis que fôssemos assim babélicos, razão de sobra para isso haverá. O Pai está certo, melhor é a gente não se entender realmente. Se um entendesse exatamente o que o outro está dizendo, briga de foice haveria.

Que continuem felizes os cônjuges por não se conhecerem realmente. Bom ainda que todas as nossas conversas sejam nubladas, nossos olhos não suportariam tanta luz. Baudelaire dizia que o mundo só funciona graças ao mal entendido que, felizmente, envolve todos nós. Então, continuemos na caverna de costas para a luz. Não suportaríamos entender o exato significado do que nos é dito. Fiquemos com as sombras. Obrigado, Platão!

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