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21 de março de 2023

OPINIÃO

OPINIÃO

A cara do boteco

A cara do boteco

Por Roberto Magalhães | 07/03/2023 | Tempo de leitura: 3 min

O autor é professor de redação e autor de obras didáticas e ficcionais

Por Roberto Magalhães


07/03/2023 - Tempo de leitura: 3 min
O autor é professor de redação e autor de obras didáticas e ficcionais

O boteco do Fonseca é igual em cada esquina. Repete-se no quarteirão de cima sem tirar nem pôr. Botecos têm a mesma cara, que é a cara de todos que precisam encher a cara para de alguma coisa fugir. E fogem. E riem. E choram. E contam "causos". E brigam.

O boteco do Fonseca é só de homens, mulher não entra ali. Entra sim, mas na cabeça do traído, do abandonado ou do esquecido. Outras vezes, no segredo cochichado, que exige promessa de bico fechado, cara, estou contando só pra você, é a minha vizinha, tô pegando!

O bar quando começa é triste, silente, angustiante. Gatos pingados, gatos escaldados, gatos pardos. Os olhos perdidos no vazio do ar ou no sujo do chão. Mas, aos poucos, os copos inundam as bocas que se destravam num vozerio de atordoar. Assunto, não falta ali. Filosofia, política, futebol, economia...

Falam também de coisas corriqueiras, outras estranhas. De piranhas, do patrão desgraçado, da teimosa goteira, do filho que envergonha, do dinheiro minguado, do casamento no fundo do poço, da mulher (que osso!) e do coitado do Chico que de nada desconfia...

Por que bebe tanto o homem? Pra fugir do sofrimento. Pra esquecer. Por puro prazer. Pra ganhar coragem. Pra dar a mão pro diabo. Segundo Humphrey Bogart, bebe porque "todo homem está sempre três doses abaixo do normal." Porque, na vida, é preciso estar bêbado, disse Baudelaire. De vinho, de poesia, de religião, do jeito que melhor for. "Para não sentirdes o fardo horrível que vos abate e vos faz pender para a terra".

Há quem prefira outros botecos, que "socorro" sempre tem. O da tarja preta, o das alcovas sexuais, o do pó no nariz, o da encruzilhada, galinha preta, velas, garrafa de pinga, farofa e fita vermelha... Sempre foi assim. Na Grécia antiga, em cerimônias religiosas, comia-se o cogumelo "amanita muscaria" que, rapidamente, levava ao êxtase de visitar a morada dos deuses.

Esses, que alguns chamam de vagabundos, de cachaceiros, nem sempre foram assim. Antes, maridos exemplares, trabalhadores ajuizados, missa aos domingos, confessionário. Alguns fizeram economia, carro usado, quatro cômodos, zinco no telhado. Outros fizeram patrimônio, carrão importado, mansão, viagens internacionais...

Mas a vida não escolhe quem e quando vai derrubar. O vento chega sem pedir licença e tudo muda de direção. Um tombo aqui, outro ali, a doença, a morte, o desemprego, a velhice, a solidão, a depressão, a impotência, a traição... O beco, não vendo saída, encontra aberta a porta do boteco. Claro, existe aquele que, aparentemente, bebe sem nenhuma desculpa ou clara razão. Talvez por genética ou vocação, adoram manguaçar.

Durante o dia, que difícil é o dia suportar! À noite, na magia do copo, tudo mudará. Alegria na garrafa, felicidade na cachaça, empatia em cada ombro embriagado, a vida outra será. É triste. Triste sim, porque vida assim raramente saída encontrará.

O boteco não cura nada, só agrava, é analgésico, a dor sempre volta. É triste sim, famílias sabem disso. Melhor outro caminho procurar. Mas, não nos enganemos, boteco sempre haverá. Sem bengala, seja ela qual for, é muito difícil caminhar.

O boteco do Fonseca é igual em cada esquina. Repete-se no quarteirão de cima sem tirar nem pôr. Botecos têm a mesma cara, que é a cara de todos que precisam encher a cara para de alguma coisa fugir. E fogem. E riem. E choram. E contam "causos". E brigam.

O boteco do Fonseca é só de homens, mulher não entra ali. Entra sim, mas na cabeça do traído, do abandonado ou do esquecido. Outras vezes, no segredo cochichado, que exige promessa de bico fechado, cara, estou contando só pra você, é a minha vizinha, tô pegando!

O bar quando começa é triste, silente, angustiante. Gatos pingados, gatos escaldados, gatos pardos. Os olhos perdidos no vazio do ar ou no sujo do chão. Mas, aos poucos, os copos inundam as bocas que se destravam num vozerio de atordoar. Assunto, não falta ali. Filosofia, política, futebol, economia...

Falam também de coisas corriqueiras, outras estranhas. De piranhas, do patrão desgraçado, da teimosa goteira, do filho que envergonha, do dinheiro minguado, do casamento no fundo do poço, da mulher (que osso!) e do coitado do Chico que de nada desconfia...

Por que bebe tanto o homem? Pra fugir do sofrimento. Pra esquecer. Por puro prazer. Pra ganhar coragem. Pra dar a mão pro diabo. Segundo Humphrey Bogart, bebe porque "todo homem está sempre três doses abaixo do normal." Porque, na vida, é preciso estar bêbado, disse Baudelaire. De vinho, de poesia, de religião, do jeito que melhor for. "Para não sentirdes o fardo horrível que vos abate e vos faz pender para a terra".

Há quem prefira outros botecos, que "socorro" sempre tem. O da tarja preta, o das alcovas sexuais, o do pó no nariz, o da encruzilhada, galinha preta, velas, garrafa de pinga, farofa e fita vermelha... Sempre foi assim. Na Grécia antiga, em cerimônias religiosas, comia-se o cogumelo "amanita muscaria" que, rapidamente, levava ao êxtase de visitar a morada dos deuses.

Esses, que alguns chamam de vagabundos, de cachaceiros, nem sempre foram assim. Antes, maridos exemplares, trabalhadores ajuizados, missa aos domingos, confessionário. Alguns fizeram economia, carro usado, quatro cômodos, zinco no telhado. Outros fizeram patrimônio, carrão importado, mansão, viagens internacionais...

Mas a vida não escolhe quem e quando vai derrubar. O vento chega sem pedir licença e tudo muda de direção. Um tombo aqui, outro ali, a doença, a morte, o desemprego, a velhice, a solidão, a depressão, a impotência, a traição... O beco, não vendo saída, encontra aberta a porta do boteco. Claro, existe aquele que, aparentemente, bebe sem nenhuma desculpa ou clara razão. Talvez por genética ou vocação, adoram manguaçar.

Durante o dia, que difícil é o dia suportar! À noite, na magia do copo, tudo mudará. Alegria na garrafa, felicidade na cachaça, empatia em cada ombro embriagado, a vida outra será. É triste. Triste sim, porque vida assim raramente saída encontrará.

O boteco não cura nada, só agrava, é analgésico, a dor sempre volta. É triste sim, famílias sabem disso. Melhor outro caminho procurar. Mas, não nos enganemos, boteco sempre haverá. Sem bengala, seja ela qual for, é muito difícil caminhar.

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