Um portal afiliado à rede

20 de março de 2023

OPINIÃO

OPINIÃO

A cura pela fala

A cura pela fala

Por Claudia Zogheib | 04/03/2023 | Tempo de leitura: 3 min

A autora é psicanalista, especialista pela USP – Departamento de Psicologia, psicóloga clínica formada pela USC

Por Claudia Zogheib


04/03/2023 - Tempo de leitura: 3 min
A autora é psicanalista, especialista pela USP – Departamento de Psicologia, psicóloga clínica formada pela USC

No tratamento psicoterápico, a fala do paciente é um importante material a ser analisado. Os sintomas de neuroses como ansiedade e depressão quando analisados, podem ser aliviados pelo que foi chamado de "cura pela fala", ou seja, deixar o paciente divagar sobre suas memórias, ideias e sonhos, criando novos significados que o faz aprender a conviver e saber sobre o seu passado, dando a ele a oportunidade de se conectar com ideias recalcadas e conflitos, e a partir de então, fazendo-o capaz de pensar seu presente e futuro.

Freud escutava seus pacientes e com clareza observou que os sintomas da histeria se dissolviam quando eles falavam e acessavam a origem do que sentiam, encontrando alívio e melhora de seus sintomas. Ao contrário, quando eram reprimidos, o afeto permanecia ligado as lembranças, aumentando os sintomas e a angústia. O método proposto pela psicanálise tem sua origem na escuta do sujeito que sofre, e se desdobra na relação entre paciente e psicanalista numa escuta qualificada de quem está ouvindo e de si mesmo enquanto fala, proporcionando uma transformação da relação do indivíduo consigo mesmo, e um distanciamento que de acordo com Freud já havia ocorrido de três maneiras diferentes na história.

A primeira na revolução de Copérnico que deslocou como centro fixo do universo o homem/terra em torno do qual girava até então o sol, a lua e os planetas. A segunda por meio da reestruturação de Darwin das concepções biológicas vigentes as quais estabeleciam para o homem uma posição distinta dos animais, separado dele por ordem divina, e estabelecendo o conceito de que toda forma de vida nasce de um ancestral comum, e a terceira pela psicanálise, descentrando o homem de si mesmo, destruindo a ilusão de identidade entre consciência e mente, submetendo-o a uma nova cadeia associativa.

A partir deste referencial o ego deixa de ser rei em sua própria casa e passa a dar voz a fala, buscando naquilo que é dito, principalmente aquilo que não foi dito, onde as palavras falam algo que o sujeito quer falar, e também aquilo que ele quer esconder. A escuta em psicanálise não é qualquer escuta, e sim escutar o que não ouve, além do que se vê, enxergando o conflito que está no sofrimento do paciente e o que ele está querendo comunicar. Por meio da fala é dada a oportunidade dele se conectar com ideias recalcadas que produzem sintomas.

Ouvir para a psicanálise é mais do que escutar. Tornou-se um método, uma via privilegiada de conhecimento para adentrar o inconsciente à qual seus pacientes dão-lhe acesso e voz através da fala, e que possibilita o passado tornar-se presente, uma vez que é constantemente atualizado através dos sintomas. Falar sobre a cura pela palavra e sobre a associação livre, ou seja, falar o que vem à mente, é inevitável mencionar a descoberta do inconsciente onde o discurso descentrou o sujeito do registro da consciência e do eu, e se descobriu como potencial que não se faz sem o reconhecimento de origem, onde ao falarmos de nós, adentramos o caminho do desconhecido, o inconsciente. A escuta é uma grande possibilidade que damos ao paciente de acessar seu inconsciente e tudo o que atrapalha a convivência consigo mesmo e com o outro, assim como seus sintomas.

A fala é um meio pelo qual os afetos são eliminados e onde o sujeito se coloca como oportunidade de entrar em contato com seu mundo interno. E quanto mais próximo o sujeito está dele mesmo, menos necessidade ele tem de atuar por outros meios para mostrar seu sofrimento, seja através das neuroses, psicoses, atuações e somatizações. Foi preciso que Freud percorresse um caminho de escuta para formular conceitos importantes que usamos até hoje na psicoterapia, e fundamentalmente na psicanálise.

Este texto foi escrito ao som da música "Cananéia, Iguape e Ilha Comprida", de Emicida.

No tratamento psicoterápico, a fala do paciente é um importante material a ser analisado. Os sintomas de neuroses como ansiedade e depressão quando analisados, podem ser aliviados pelo que foi chamado de "cura pela fala", ou seja, deixar o paciente divagar sobre suas memórias, ideias e sonhos, criando novos significados que o faz aprender a conviver e saber sobre o seu passado, dando a ele a oportunidade de se conectar com ideias recalcadas e conflitos, e a partir de então, fazendo-o capaz de pensar seu presente e futuro.

Freud escutava seus pacientes e com clareza observou que os sintomas da histeria se dissolviam quando eles falavam e acessavam a origem do que sentiam, encontrando alívio e melhora de seus sintomas. Ao contrário, quando eram reprimidos, o afeto permanecia ligado as lembranças, aumentando os sintomas e a angústia. O método proposto pela psicanálise tem sua origem na escuta do sujeito que sofre, e se desdobra na relação entre paciente e psicanalista numa escuta qualificada de quem está ouvindo e de si mesmo enquanto fala, proporcionando uma transformação da relação do indivíduo consigo mesmo, e um distanciamento que de acordo com Freud já havia ocorrido de três maneiras diferentes na história.

A primeira na revolução de Copérnico que deslocou como centro fixo do universo o homem/terra em torno do qual girava até então o sol, a lua e os planetas. A segunda por meio da reestruturação de Darwin das concepções biológicas vigentes as quais estabeleciam para o homem uma posição distinta dos animais, separado dele por ordem divina, e estabelecendo o conceito de que toda forma de vida nasce de um ancestral comum, e a terceira pela psicanálise, descentrando o homem de si mesmo, destruindo a ilusão de identidade entre consciência e mente, submetendo-o a uma nova cadeia associativa.

A partir deste referencial o ego deixa de ser rei em sua própria casa e passa a dar voz a fala, buscando naquilo que é dito, principalmente aquilo que não foi dito, onde as palavras falam algo que o sujeito quer falar, e também aquilo que ele quer esconder. A escuta em psicanálise não é qualquer escuta, e sim escutar o que não ouve, além do que se vê, enxergando o conflito que está no sofrimento do paciente e o que ele está querendo comunicar. Por meio da fala é dada a oportunidade dele se conectar com ideias recalcadas que produzem sintomas.

Ouvir para a psicanálise é mais do que escutar. Tornou-se um método, uma via privilegiada de conhecimento para adentrar o inconsciente à qual seus pacientes dão-lhe acesso e voz através da fala, e que possibilita o passado tornar-se presente, uma vez que é constantemente atualizado através dos sintomas. Falar sobre a cura pela palavra e sobre a associação livre, ou seja, falar o que vem à mente, é inevitável mencionar a descoberta do inconsciente onde o discurso descentrou o sujeito do registro da consciência e do eu, e se descobriu como potencial que não se faz sem o reconhecimento de origem, onde ao falarmos de nós, adentramos o caminho do desconhecido, o inconsciente. A escuta é uma grande possibilidade que damos ao paciente de acessar seu inconsciente e tudo o que atrapalha a convivência consigo mesmo e com o outro, assim como seus sintomas.

A fala é um meio pelo qual os afetos são eliminados e onde o sujeito se coloca como oportunidade de entrar em contato com seu mundo interno. E quanto mais próximo o sujeito está dele mesmo, menos necessidade ele tem de atuar por outros meios para mostrar seu sofrimento, seja através das neuroses, psicoses, atuações e somatizações. Foi preciso que Freud percorresse um caminho de escuta para formular conceitos importantes que usamos até hoje na psicoterapia, e fundamentalmente na psicanálise.

Este texto foi escrito ao som da música "Cananéia, Iguape e Ilha Comprida", de Emicida.

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.

Ainda não é assinante?

Clique aqui para fazer a assinatura e liberar os comentários no site.