CIÊNCIA

Herança de racista deve ir para o Estado

Por Alberto Consolaro | 04/03/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Reprodução

Poucas gerações nos separam dos parentes que viveram a escravatura dos negros!
Poucas gerações nos separam dos parentes que viveram a escravatura dos negros!

Se os netos têm idade média de 55 anos, e que cada um dos seus pais os teve quando tinham 30 anos de idade, os pais nasceram há 85 anos atrás. Os seus avós, seguindo o mesmo raciocínio, apareceram no mundo há 115 anos. Os bisavós, aproximadamente, nasceram há 145 anos. A “abolição” da escravatura foi em 1888, há apenas 135 anos.

Muitas famílias fizeram seu patrimônio material desde a época da plena escravatura dos negros. São imóveis, fazendas, indústrias, concessões e prestígio econômico e político. Os filhos, netos e bisnetos usufruem até hoje, por herança lícita, os benefícios materiais e sociais produzidos pelos seus antepassados desde a época do império.

Na escravatura, os negros eram removidos de seu habitat e separados de seus entes queridos e familiares, como hoje já não se permite mais nem com os animais. Eram transferidos de seu continente, maltratados e escravizados, quando não sodomizados pelos seus senhores sob todas as formas.

Pressionados internacionalmente, os brancos resolveram abolir a escravidão e soltaram os negros no mesmo lugar onde foram usados como animais e disseram: agora estão livres, se virem, sem registros civis, documentos, sem direitos, roupas, bens ou moradia. Famílias desfeitas, laços afetivos destruídos e em plena ignorância e falta de cidadania.

LIBERTOS?

Os negros ficaram como seres errantes como zumbis perambulando pelas cidades e fazendas. Nem que se queira, de forma mágica, não se corrigem distorções humanas com este grau de profundidade, crueldade e conformação social, em apenas duas ou três gerações.

Os filhos, netos e bisnetos brancos herdaram sim esta dívida humanitária, brutal, desqualificada e, diria até impagável. Do mesmo modo, herdaram e ainda herdam os bens materiais e os prestígios políticos e sociais desde aquela época. Da mesma forma, há três, e no máximo quatro gerações anteriores torturamos, massacramos e matamos os avós e bisavós dos negros brasileiros.

Os seres humanos negros, ainda escravos e depois libertos, respiraram o mesmo ar de nossos avós e bisavós. E a igreja e os religiosos acreditavam naquela época, e convinha acreditar, que os negros não tinham alma, tal como os índios. Que as mulheres eram incapazes de votar!

Os alemães, italianos, poloneses, japoneses que vieram para substituir os negros agora libertos, receberam do governo brasileiro dinheiro para viajarem, roupas, alimentos, moradia e uma gleba de terra para cultivarem, assim como uma quantidade em dinheiro para começar a vida por aqui. Aos negros nada foi dado à época, nem ao menos muito obrigado.

As cotas, o combate ao preconceito, dar nomes da cultura negra às ruas e monumentos e criar o Dia da Consciência Negra, representam um mínimo de reconhecimento do erro praticado. Imagine você: escravizado, sem família, sem afeto, sem documento, analfabeto, sodomizado, humilhado e agora solto no mundo sem eira e nem beira. E chamaram isto de libertação – deve ter sido uma ironia! Aboliram o ato legal da escravidão, mas não fizeram o mínimo por estes humanos por muitas décadas seguidas!

REFLEXÃO FINAL

Muitos afirmam que não estavam vivendo naquela época e por que agora deve pagar uma dívida que não fez pessoalmente? Vivemos em sociedade no tempo e nas gerações que nos sucedem. Quem não reconhece a dívida social e atual com os negros, deveria também automaticamente renunciar e não reconhecer como suas, as heranças materiais familiares recebidas de seus avós e bisavós, doando-as ao Estado e isto se chama coerência!

Se a herança de racistas passasse para o Estado nos processos judiciais, com certeza eles pensariam duas vezes antes de falar asneiras. Todos os racistas, quando gravados e denunciados, se “arrependem”, mas a ofensa já se consumou. Devemos pensar antes de falar, afinal vivemos em sociedade. Liberdade de expressão não pode ser igual ofensas às demais pessoas!

(Alberto Consolaro – Professor Titular pela USP e Colunista de Ciências do JC)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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