BAURU

Entrevista da Semana: Guilherme Trípoli; ele já salvou mais de 500 vidas

Por Tisa Moraes | da Redação
| Tempo de leitura: 5 min
Larissa Bastos
Guilherme Trípoli
Guilherme Trípoli

Ensinado desde criança a ter empatia, Guilherme Trípoli, 33 anos, assim que decidiu ser médico, formou uma convicção: iria se dedicar à assistência pública de saúde. E, desde então, além de cuidar de milhares de pessoas que dependem do SUS, já foi responsável por salvar mais de 500 vidas, entre as cirurgias cardiovasculares que realizou no Hospital das Clínicas da Unesp de Botucatu e os atendimentos prestados no Samu de Bauru.

Por seu olhar humanizado, Trípoli foi escolhido, há três anos, para ser diretor deste serviço de resgate, onde lidera 127 servidores. A cada mês, as equipes realizam 4 mil atendimentos na cidade, levando com vida ao Pronto-Socorro Central cerca de 90% dos pacientes.

E, mesmo no comando do Samu, até hoje Trípoli vai às ruas do município, junto com outros profissionais do serviço, para prestar amparo médico a quem precisa. "Preciso sentir junto com a equipe o que ela vivencia", diz.

Nascido em Bauru, filho de uma dona de casa e um comerciante, o incansável médico cirurgião cardiovascular trabalha 16 horas por dia, tendo como alicerce o espiritismo e sua família, incluindo a esposa Joice e os filhos Yasmin, 12 anos, e Arthur, 6 anos. Nesta entrevista, ele conta sobre o que o move a se dedicar ao setor público, os desafios em trabalhar em um serviço de urgência, fala sobre como foi atuar na linha de frente da pandemia e em como se sente recompensado em usar seu conhecimento para dar uma nova chance a centenas de pacientes. Leia, abaixo, os principais trechos.

JC - Como surgiu a vontade de se tornar médico?

Trípoli - Foi por querer entender o sofrimento das pessoas, de ouvi-las e ajudá-las a, ao menos, amenizar este sofrimento. Meu pai, já com mais idade, cursou administração na FIB e me levou ao laboratório de anatomia de lá, onde havia cadáveres (conservados em formol). E lá fiquei um dia inteiro. Com 17 anos, entrei na faculdade de medicina. Quando me formei, trabalhei em alguns postos de saúde da região e, logo na sequência, ingressei na especialização em cirurgia cardíaca, na Unesp de Botucatu, que concluí em fevereiro de 2020.

JC - E logo em seguida já foi escolhido para ser diretor do Samu? Como isso ocorreu?

Trípoli - Prestei concurso da prefeitura e entrei em 2014, ainda fazendo especialização. Passei a trabalhar no Samu aos fins de semana. Sempre tive um comportamento mais humanizado. Entendo que o médico, para ser completo, precisa acolher e escutar o paciente, ter empatia. E acabei sendo convidado para assumir a diretoria, em março de 2020. Ao mesmo tempo, passei a trabalhar na Unesp de Botucatu, fazendo cirurgias e transplantes cardíacos.

JC - Atuar na saúde pública foi uma decisão desde a graduação? Já pensou em desistir, considerando questões como estresse e falta de equipamentos, insumos e pessoal?

Trípoli - Optei por trabalhar no SUS porque é onde há maior carência e demanda na área de saúde. Em vez de cobrar por consultas, às vezes de pacientes que nem têm condições financeiras, prefiro receber de uma instituição, como a prefeitura, o HC. É minha essência, é a forma como fui criado pelos meus pais e avós. Entendo que preciso usar meu conhecimento em prol do próximo. E a opção por cirurgia cardíaca deve-se ao fato de que as doenças do coração são as que mais matam no mundo. Quero dar qualidade de vida para estes pacientes, que, muitas vezes, não têm orientação sobre como tratar hipertensão, diabetes.

JC - O HC realizou seu primeiro transplante de coração em 2019. Chegou a participar destas primeiras cirurgias?

Trípoli - Estava fazendo residência e acompanhei muitos transplantes e captações de coração. E até hoje continuo no HC. Durante as cirurgias, consigo esquecer de todos os problemas ao redor. Apesar de ser um momento tenso e delicado, é um prazer muito grande. Já o trabalho como diretor do Samu me exige mais, por ter de lidar com quase 130 funcionários, preenchimento de escalas, quebra de ambulâncias. É bastante coisa para dar conta.

JC - Qual caso mais te marcou nos atendimentos do Samu?

Trípoli - O caso do Leonardo, um jovem que sofreu um acidente de moto em 2018, na avenida Duque de Caxias, na madrugada de um sábado para domingo. Ele colidiu em um poste e, quando chegamos, tive a impressão de que já havia morrido. Quando o socorremos, ele estava em franca insuficiência respiratória. Fizemos a intubação e a medicação para ressuscitação dentro da viatura e o levamos ao Pronto-Socorro Central. Após alguns dias, recebi uma carta, publicada pelo JC, da mãe dele, a Renata, agradecendo o atendimento prestado. Em seguida, me passaram o telefone dela e eu liguei para agradecê-la. E, depois, o Leonardo escreveu um livro em que conta que a dedicação do Samu foi um marco na vida dele.

JC - Você também trabalhou no Posto Avançado Covid-19. Como foi atuar na linha de frente contra o coronavírus?

Trípoli - Não imaginava que iria me deparar com tantas mortes em tão pouco tempo. Como quase todos os médicos, tive crises de ansiedade, tanto por ter de lidar com tantas perdas como pelo medo de levar Covid-19 para dentro de casa. Além do PAC e do Samu, também trabalhei no Hospital Estadual durante o momento mais crítico da pandemia. E vi pacientes evoluindo muito rápido até a morte. Foi muito difícil.

JC - E como faz para manter o equilíbrio em meio a frentes de atuação tão estressantes?

Trípoli - Tenho alicerces: minha família - esposa, filhos e pais -, e o espiritismo. Além de ir ao Centro Espírita Amor e Caridade, gosto muito de ler livros espíritas. Estes alicerces me fazem voltar para dentro de mim e não me deixam perder o prumo. Além disso, mesmo não recebendo, na maioria das vezes, feedback dos pacientes, me sinto recompensado por fazer a diferença na vida deles.

O QUE DIZ O MÉDICO

"Sempre tive um comportamento mais humanizado. O médico, para ser completo, precisa acolher e escutar o paciente"

"Não imaginava que iria me deparar com tantas mortes em tão pouco tempo (na pandemia). Como quase todos os médicos, tive crises de ansiedade"

"Mesmo não recebendo, na maioria das vezes, feedback dos pacientes, me sinto recompensado por fazer a diferença na vida deles"

Guilherme junto com a equipe de cirurgia cardíaca da Unesp de Botucatu
Guilherme junto com a equipe de cirurgia cardíaca da Unesp de Botucatu
Guilherme com o enfermeiro Eduardo Castro e o médico Paulo Pepulim, que atuam com ele no Samu e se tornaram grandes amigos
Guilherme com o enfermeiro Eduardo Castro e o médico Paulo Pepulim, que atuam com ele no Samu e se tornaram grandes amigos
Guilherme (ao fundo) com toda a família reunida
Guilherme (ao fundo) com toda a família reunida

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