(In)justiça social

Por Por Carlos Brunelli | 28/01/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Hugo Evandro Silveira - Pastor Titular - Igreja Batista do Estoril

Tema recorrente de inflamados pronunciamentos em todas nossas casas legislativas, quer municipais, estaduais ou federais, o combate à desigualdade social tem a incrível capacidade de durar exatamente o tempo transcorrido entre a primeira e a última palavra do discursante. Após, cai no esquecimento até outro legislador, igualmente empolgado, dedo em riste para conferir maior severidade às palavras, pregar sobre o tema e dizer que "é preciso fazer alguma coisa a respeito, para eliminarmos essa chaga de nosso meio". De prático, nada.

Se quando decorrente de fatores conjunturais já é abjeta, a injustiça social tem o seu lado mais perverso quando praticada intencionalmente, para oprimir e tirar vantagem da situação. Engendram-se dispositivos legais que rebaixem ainda mais a camada inferior da sociedade, para elevar os poderosos, tudo com uma fina camada de aparente bom-mocismo.

Martin Luther King Jr (1929-1968) foi um pastor batista, ativista político e líder de movimento de direitos humanos nos Estados Unidos, famoso por embasar suas lutas sociais, em especial as de combate ao racismo, em resistência pacífica e desobediência civil. A certa altura de seu mais famoso discurso I have a dream (Eu tenho um sonho) declara que "não ficaremos satisfeitos até que a justiça caia como águas e a retidão como uma corrente poderosa". De sólida formação cristã e conhecedor da Bíblia, poucos sabem que King Jr. naquele momento citava o encontrado no Livro de Amós 5.24, quando o profeta revelava a palavra de Deus às ímpias autoridades que destratavam o povo, mas ofereciam sacrifícios ao Senhor como forma de demonstrar sua religiosidade - a tal da hipócrita fina camada de integridade - em vez de manterem sua lisura espiritual.

O ministério profético de Amós aconteceu entre os anos de 760 a 750 a.C., período de prosperidade econômica e tempo de paz, pois a opressora Síria já não mais representava perigo a Israel. Esse ambiente favorável de retomada do comércio internacional e da agricultura, no entanto, favoreceu apenas os comerciantes e a corte, pois o povo sustentava toda essa estrutura por meio de seu trabalho escravo. Foi contra essa injustiça social, que beneficiava poucos em detrimento de muitos, que se levantou a voz de Deus através de Amós: "Vocês dormem em camas de marfim e se espreguiçam sobre seus leitos... Comem os cordeiros gordos do rebanho... Ficam cantando à toa ao som da lira... Bebem vinho em taças e se ungem com o mais excelente óleo"(Amós 6.4-6). Advertiu ainda o Senhor: "Eu detesto sua soberba e odeio seus palácios. Darei as costas à cidade e a tudo que nela há". (Amós 6.8)

Mais de vinte e cinco séculos separaram Amós de King Jr; já sessenta anos se passaram desde o famoso discurso do norte-americano, e continuamos a viver cenários de imensa desigualdade social em todo o planeta, com líderes mundiais e autoridades a dormir em camas suntuosas de finos lençóis, a se alimentar de iguarias em seus jantares, a beber caríssimos vinhos em taças de cristal e a se perfumarem à custa da exploração humana. Mas a advertência divina permanece a mesma àqueles que não agem com equidade: "A mim pertence a vingança, eu retribuirei a seu tempo, e seu destino se apressa em chegar" (Deuteronômio 32.35). Seria inteligente se os discursistas apressassem tornar meras falas em atitudes práticas e eficazes, pois "Horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo" (Hebreus 10:31).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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