'Felizes os Misericordiosos'

Por Dom Caetano Ferrari |
| Tempo de leitura: 3 min
Bispo Emérito de Bauru

No início do ano os textos evangélicos nos vão apresentando Jesus dando os primeiros passos na sua vida apostólica. Na Missa de hoje ouvimos de São Mateus - Mt 5,1-12 - que Jesus anuncia à numerosa multidão que o seguia o anúncio do que a Igreja afirma ser a plataforma do Reino de Deus. O projeto de salvação e libertação para a vida nova da humanidade, consubstanciado no Evangelho do Reino, resume-se nas "Bem-aventuranças" que Jesus para começar sua pregação missionária anuncia solenemente ao povo em forma de discurso conhecido como o "Sermão sobre a Montanha".

O modelo perfeito de bem-aventurado, segundo reflete a Igreja, é o próprio Jesus. As bem-aventuranças se realizaram em Jesus. Em outras palavras, Jesus, em pessoa, era as bem-aventuranças postas em prática: pobre, humilde e puro de coração, faminto e sedento de justiça, e cheio de misericórdia. "Felizes os misericordiosos" é a bem-aventurança dos corações grandes. A grandeza do homem mede-se pela capacidade de perdoar. A caridade fraterna mostra-se no amor misericordioso. Se Deus nos ama perdoando, assim também nós devemos amar.

Ainda podem-se ver nas bem-aventuranças segundo São Mateus três grupos de pessoas bem-aventuradas: 1- os que precisam de salvação: pobres, sofredores, humildes e injustiçados; 2- os que fazem o bem e se dedicam a servir os do primeiro grupo: misericordiosos, puros e pacíficos; 3- os que fazem o bem e não obstante são caluniados e perseguidos: pobres, sofredores, humildes e aqueles que anseiam pela justiça.

Particularmente falando, para começar o ano novo nada melhor do que ouvirmos na Liturgia de hoje Jesus proclamando as "Bem-aventuranças", ou seja, a sua proposta de felicidade a fim de nos encorajar não só a enfrentar os desafios e tribulações da vida como também a vivê-las como os santos e santas as viveram e praticaram. Pastoralmente falando, para a Igreja nada mais oportuno do que desde logo anunciar aos homens e mulheres de hoje Jesus Cristo e o seu projeto de felicidade para todos.

A verdade e a humildade andam em falta nos dias de hoje. Na sociedade líquida em que vivem homens e mulheres nada haveria de sólido e seguro sobre o que edificar a casa de suas vidas. Sob este novo paradigma, cada pessoa construiria sua moradia sobre as verdades que selecionasse para si, segundo seus interesses, preferências, concepções e crenças. E o que dizer sobre a humildade? Sem ela não há conhecimento possível. Em nós, modernos, falta a humildade. Por isso, pela falta de humildade, é que o orgulho moderno é sempre um erro como forma de estar no mundo. Ficando só no quesito pecado, pergunto, quem é que humildemente reconhece e confessa suas fraquezas? Não penso em pedir perdão em público, obrigação só exigida aos homens públicos, que nunca o fazem. Quando muito, pessoas há que admitem ser pecadoras, porque seria politicamente incorreto não reconhecer as limitações da condição humana, suas más inclinações e fraquezas.

Hoje em dia é mais fácil ouvir falar de valores do que de virtudes. As pessoas têm medo de encarar as virtudes, porque exigem luta, esforço em controlar a vontade, os desejos, as paixões, as más inclinações. Quanto aos valores, todo mundo diz que os defende e assim sendo seriam pessoas éticas. Ledo engano. Praticar as virtudes é muito difícil. O Cristianismo parte da noção de natureza humana caída e do pecado original para afirmar que, como pecadores, dependemos da graça de Deus sem a qual jamais seremos virtuosos. O mérito para recebê-la é o coração humilde e contrito.

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