Não o vi, mas ‘o vivi’

01/01/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Eu e todos da minha geração não vimos Pelé jogar ao vivo. Mas, desde de garotos, convivemos com a lenda. Das histórias de quem viu, de lances em jogos dos quais não há registros e contam-se proezas, de passagens e acontecimentos grandiosos que acompanhavam o dia a dia do Rei do Futebol. Pelé, para nós, era substantivo e adjetivo. O Pelé das propagandas na TV, o craque dos vídeos antigos, muitos em preto e branco. O golaço com chapéu na final da Suécia, as imagens do tricampeonato, com o povo carregando o Rei nos braços... Tudo aquilo nos despertava a figura de um deus dos gramados. Era o Pelé substantivo próprio.

Porém, quantos "Pelés" não tínhamos? Porque um amigo que jogava muita bola, era um Pelé. O outro era um Pelé da matemática, aquele da pintura, outra da música. Pelé virou adjetivo para excelência. Porque tudo o que se refere ao "Maior de Todos os Tempos", inclusive esta própria definição, é superlativo. Sinônimo de genial. Pelé é gigante pelos gols que fez e até pelos gols que perdeu, criando jogadas que outros "imitaram" e, por vezes, lograram sucesso, balançando as redes. É imortal pelos dribles, pelas tabelas nas canelas dos adversários. Pelé cabeceava bem, finalizava bem, driblava bem... tinha condição física e técnica privilegiadas, possuía o combo perfeito para ser o maior, o melhor. E foi.

Pelé se tornou o parâmetro de comparação. Todos os gênios são medidos por Pelé. Surgiu um novo Pelé. Aquele craque seria melhor do que Pelé? As gerações de jogadores se sucederam e os maiores talentos, os fora de série sempre têm sua qualidade, sua genialidade aferida no confronto com os números, títulos, habilidade, atributos e façanhas daquele que é sinônimo do próprio futebol. Por isso, eterno, mesmo que tenha partido deste mundo na semana que passou.

FRAGMENTOS DE PELÉ

Para não dizer não assisti a um jogo de Pelé ao vivo, tirando algumas partidas de máster, eu vi o gênio atuar na partida festiva de seus 50 anos, em 1990, em amistoso realizado em Milão, na Itália, de Brasil x Combinado do Resto do Mundo: derrota brasileira por 2 a 1. A minha expectativa, até certo ponto ingênua de garoto, era ver um craque desequilibrante. O camisa 10 deu alguns dribles, finalizou, mas não fez gol. Saiu no finalzinho do primeiro tempo. Mas, tirando o caráter festivo do evento, foi uma emoção apreciá-lo em ação ao vivo pela Seleção Brasileira e não só em vídeos de melhores momentos ou em reprises.

Quando eu me mudei para Bauru, a cidade que acolheu o menino Edson e viu o nascimento do atleta Pelé, passei a colher fragmentos do craque. Morei na ruas Sete de Setembro, no mesmo quarteirão da casa da família de Pelé (hoje, nem o sobrado no qual tínhamos nossa república de estudantes e nem a casa família do Rei existem mais) e na Rubens Arruda, pertinho de onde residiu Pelé e seus familiares. Pedaço onde certamente o Rei jogou bola. Passar por ali era algo trivial do cotidiano para muitos e rotineiro para mim. Porém, sempre havia a impressão de ser "vizinho" do Rei décadas depois. Era divertido o pensamento.

Frequentei o Bauru Atlético Clube, já quando trabalhava como jornalista. Nunca meu olhar banalizou aquele que foi o "berço" de quem que se tornaria o Atleta do Século. Jamais entrei no BAC sem me conscientizar do local histórico no qual estava. Olhei, por vezes, o gramado do campo que não existe mais com reverência. Sentimento, confesso, pueril, tamanha a distância daquele tempo onde o Rei dava seus primeiros passos no esporte com a camisa do Baquinho com minhas visitas ao clube. No entanto, inevitável para um fã de futebol.

Pelé transcende os campos de futebol. Ele é parte de uma identidade do Brasil enquanto país e povo. Ele foi, muitas vezes, sinônimo de Brasil. Não precisei vê-lo jogar para reverenciá-lo. Ele parte deste mundo deixando um legado imortal de arte entre as quatro linhas. Eu não o vi mas, dos velhos filmes, das antigas fotografias desbotadas, das histórias dos amigos cronistas que tiveram o privilégio de conhecê-lo, das entrevistas com companheiros de equipe e dos sutis fragmentos colhidos por esta Bauru, eu vivi o Rei.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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