É dentro da delegacia sob seu comando que Luiz Augusto Namisaki Puccinelli, 43 anos, passa a maior parte do tempo trabalhando. Em um esforço de inteligência que pode durar meses ou até mais de um ano, com sua equipe, ele levanta informações, cruza dados e constrói provas para, então, sair a campo e desarticular grupos organizados do tráfico - e já contabiliza mais de 500 prisões em flagrante.
Há uma década atuando na Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes (Dise) de Bauru, Puccinelli se tornou, há cinco anos, titular da unidade especializada, função que deixou de exercer por um ano e quatro meses, durante a pandemia, quando foi delegado assistente na Delegacia Seccional de Bauru. De volta à sua 'casa' na Polícia Civil, o delegado bauruense passou a enfrentar uma fase desafiadora, ao ser diagnosticado com Doença de Parkinson, no ano passado.
Pouco tempo depois, em julho de 2022, perdeu o pai, o promotor de Justiça Humberto Luiz Puccinelli, sua grande referência na área do direito, um dia antes da chegada de Teresa ao mundo, sua terceira filha. Com impressionante resiliência, Puccinelli se apoiou na fé, na família, nos amigos e na corrida de rua para aceitar a doença como parte de quem ele é.
A meta agora, inclusive, é correr mil quilômetros por ano, além de seguir valorizando o tempo compartilhado com a esposa Angélica, 38 anos, e as filhas Maria Luiza, 8 anos, Laura, 6 anos, e Teresa, 5 meses, com quem diz vivenciar o seu 'melhor happy hour'. Nesta entrevista, o delegado fala sobre sua paixão pelo trabalho e pela corrida, sobre o legado de seu pai e sobre como encontrou forças para lidar com este novo momento de vida. Veja, abaixo, os principais trechos.
JC - Como surgiu o interesse pela carreira de delegado?
Puccinelli - Sempre gostei da atividade policial. E tive meu pai, promotor de Justiça, como referência. Eu tinha 12 anos quando comecei a acompanhá-lo ao Fórum, no Tribunal do Júri. Ele trazia para casa os processos, mostrava fotos de crimes e me explicava tudo. Isso despertou meu interesse em trabalhar na área. Eu me formei em direito em 2002 e atuei como advogado, junto com meu irmão, até passar no concurso para delegado, em 2008. De 2009 a 2011, trabalhei em São Paulo, até conseguir transferência para Bauru, para atuar como delegado plantonista.
JC - E como surgiu a oportunidade de trabalhar na Dise?
Puccinelli - Meu foco sempre foi trabalhar com investigação e prisão. Então, passei a me colocar à disposição nos horários de folga para ajudar em operações, cumprimento de mandados de busca, sem remuneração. Acabei ganhando a oportunidade de ir para a Dise em 2012 e, em 2017, assumi a titularidade da unidade. Eu me sinto muito realizado com o que faço.
JC - Como é a rotina deste trabalho?
Puccinelli - A gente passa meses fazendo trabalho de inteligência, levantando informações para, só depois, com provas em mãos, cumprir mandados de busca e de prisão, que, na minha opinião, é a parte mais gratificante da ação policial. Mas 90% do trabalho do delegado são dentro da delegacia. Tivemos, por exemplo, uma investigação recente, encerrada em novembro, que durou um ano e dois meses. Nosso foco é o crime organizado, ou seja, grupos que movimentam maior volume de drogas, embora a gente também prenda os menores para conseguir chegar a estes maiores.
JC - Teve algum caso mais marcante?
Puccinelli - Uma situação que sempre me sensibiliza é quando familiares buscam ajuda da polícia porque um parente é usuário de drogas, vendeu tudo na casa e, mesmo assim, se endividou e começou a comercializar, embalar porções e até armazenar entorpecentes dentro da residência. A gente faz a investigação e, muitas vezes, efetua prisões, com base em informações da família, que tem esperança de que o parente, preso, consiga se recuperar. Também me sensibiliza quando prendemos um traficante que tem filhos e a gente percebe que, para aquelas crianças, o tráfico é algo normal. Fico triste por saber que elas estão crescendo com este tipo de exemplo.
JC - Além do trabalho, quais são suas outras paixões?
Puccinelli - Em um jogo de futebol, acabei rompendo o ligamento do joelho, em 2003, quando precisei fazer uma cirurgia. Com a fisioterapia, conheci a corrida de rua e não parei mais. Neste último ano, passei a correr, no mínimo, três vezes por semana, de três a cinco quilômetros. Nos fins de semana, consigo fazer entre dez e 15 quilômetros. Já corri sete vezes a São Silvestre, sendo que a mais marcante foi a de 2018, em que corri com meu pai e meus dois irmãos. Foram mais de três horas de corrida e ele, muito guerreiro como sempre, já com câncer, conseguiu completar o trajeto.
JC - E ele acabou falecendo um dia antes do nascimento da sua filha mais nova...
Puccinelli - Sim, no dia 5 de julho deste ano. Ele seria o padrinho da Teresa e dizia, quando ela ainda estava na barriga da Angélica, que já a conhecia. Falava que ela seria uma menina tranquila e, de fato, é a mais calma das três. Além disso, ela se parece fisicamente com ele. Não acredito que seja coincidência. Ela chegou para dar a força que a família precisava.
JC - Você é religioso?
Puccinelli - Bastante. Minha fé aumentou muito após o diagnóstico de Parkinson. Em julho de 2020, comecei a sentir um pouco de tremor na mão e perna esquerdas, mas só em dezembro fui a alguns médicos e um levantou a possibilidade de ser Parkinson, enquanto outros disseram que não era. Os sintomas começaram a aumentar, fiz novos exames e tive a confirmação há pouco mais de um ano. A fé, junto com o apoio da família, dos amigos e dentro da polícia, é o que me dá forças para enfrentar a doença da melhor maneira. Tomo medicação para controlar os sintomas e intensifiquei as corridas, porque a atividade física diminui a velocidade da evolução da doença. Não carrego o Parkinson como um fardo, mas como algo que faz parte de quem eu sou. Estou vivo, com condições de seguir trabalhando e de cuidar da minha família. Então, não posso reclamar de nada.