Uma história pessoal nas quartas

11/12/2022 | Tempo de leitura: 4 min

Resolvi assistir ao jogo do Brasil nas quartas de final da Copa do Mundo em casa. Depois da peleja, eu iria trabalhar no jornal. O horário da partida permitia que houvesse tempo suficiente para produzir a edição do dia seguinte com tranquilidade e quis viver a experiência mais intimista de ver o duelo importantíssimo com calma, sem a muvuca da aglomeração da galera gritando e vibrando.

Acomodei-me no meu sofá e passei a acompanhar atentamente cada lance. E o tempo foi passando e nada de gol do Brasil. Quando a França marcou, foi uma decepção forte. Uma desilusão. Sim, França. Porque estou me referindo ao Mundial de 2006, na Alemanha, a "Copa do Mundo mais ganha que o Brasil já perdeu". Era difícil conseguir não levantar o caneco, mas a Seleção o fez.

E pode colocar o fracasso brasileiro de 16 anos atrás na conta do técnico Carlos Alberto Parreira. O Brasil possuía o "Quadrado Mágico", formado por Kaká, Ronaldinho, Adriano e Robinho, que tinha encantado e assombrado o mundo, um ano antes, pulverizando Alemanha e Argentina na Copa das Confederações e ficando com a taça.

Só que em 2006, o "Quadrado Mágico" já não era o mesmo. Tanto no desempenho quanto na formação. Parreira mudou a escalação, sacou Robinho e insistiu com dois atacantes, aliás dois centroavantes, Adriano e Ronaldo, absurdamente fora de forma, além de manter dois laterais, Cafu e Roberto Carlos, que viviam decadência e não entregavam mais o necessário. Enquanto isso, reservas como Cicinho, Gilberto e Fred estavam voando e pediam passagem. O treinador preferiu morrer abraçado com os medalhões e levou a chance do Brasil conquistar o hexa junto. Isso sem contar o verdadeiro reality show que foi a preparação e "concentração" brasileira para a Copa. Enfim, uma aula de como não fazer.

Mas voltando ao fatídico jogo das quartas, no qual Zidane teve uma das maiores atuações que eu já vi e Henry fez o gol na jogada que ficou marcada pelas meias do lateral-esquerdo brasileiro, fiquei muito, muito chateado. Na profissão de jornalista esportivo, o passar do tempo vai criando uma insensibilidade no cronista. Um distanciamento. Você comemora vitórias com moderação e nas derrotas há uma resignação. Não sei se é bom ou ruim, para falar a verdade, mas é fato. Em 2006, eu ainda me comovia mais e fiquei bastante triste. Decidi ir caminhando para o trabalho, digerindo aquele golpe sobre o qual teria que produzir toda uma edição. Remexer aquela dor.

No caminho para o jornal, passei em frente a uma casa na qual um garotinho jogava bola na garagem. Chutava na parede e dominava no retorno para repetir a jogada. Brincava sozinho, como eu e tantos outros já fizeram. Criança e bola. Aquela cena, pelas circunstâncias, foi comovente. Eu tive certeza que o futebol brasileiro continuaria. Ali estava o futebol brasileiro brotando, resistindo. Aquilo me confortou.

Em 2022

De novo vi o jogo em casa. Desta vez, o Brasil saiu na frente, mas... Poderia analisar muitos fatores aqui. Concordo com a visão geral de que tirar Vinícius Júnior foi um equívoco. Insistir com Raphinha e Paquetá, quando Rodrygo estava melhor, foi um erro. Os jogadores experientes não abrirem a disputa de pênaltis, deixando para um garoto a tarefa da primeira cobrança, foi uma falha.

Mas nada, nada, se compara ao bizarro de tomar contra-ataque nos minutos finais do segundo tempo da prorrogação, ganhando por 1 a 0. Segura a bola, toca, gasta o tempo. Acabou o jogo. Até os croatas já estavam conformados... Digno de um time juvenil. Todos os outros desacertos passariam e o Brasil avançaria se não fosse a entregada, o presente que a Seleção deu.

Um ciclo inteiro perdido em uma desatenção, uma decisão errada. É o futebol. O Brasil chegou ao Catar como um dos três maiores favoritos ao título - França e Argentina são os outros - e volta para casa prematuramente. Quartas de final foi pouco. O Brasil tem time para mais. Fim de ciclo e sexto título mundial adiado mais uma vez. Fico aborrecido. Mas durmo tranquilo, pois sei que em algum lugar, algum canto, nestes mais de 8.510.000km2 do Brasil algum garoto está jogando bola na garagem, na rua, no quintal, no campinho, no clube... E será esse garoto que vai fazer o gol do hexa... um dia.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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