Em plena região central da cidade, em uma área onde, décadas atrás, operaram importantes oficinas ferroviárias de Bauru, existe, atualmente, uma espécie de "cemitério oculto" de vagões e locomotivas. No local, de difícil acesso, o JC constatou mais de 40 desses veículos "escondidos" sob folhas e galhos de centenas de árvores. Troncos chegam a contornar as estruturas de metal apodrecidas, estacionadas ali há pelo menos 20 anos. A situação, além de colocar em risco a saúde da população - já que o maquinário pode acumular água e tornar-se criadouro do mosquito da dengue -, expõe o abandono e o descaso com o patrimônio público.
O cenário foi flagrado próximo à quadra 1 da avenida Alfredo Maia, na Vila Falcão, e ao lado do Viaduto Nicola Avallone, o Falcão-Bela Vista. O espaço até poderia ser visto de cima do viaduto, se não estivesse escondido pelas copas das leucenas (espécie de árvore que, conforme o JC noticiou, está entre as 100 piores invasoras do mundo), que se reproduziram no trecho.
No local, a reportagem encontrou, sob muita ferrugem, teias de aranha e sujeira, os mais diversos vagões, dos tipos plataforma, fechado, gôndola, tanque e até um modelo histórico para transporte de passageiros. Existem ainda várias locomotivas a diesel que, segundo o JC apurou, poderiam valer cerca de R$ 3 milhões cada, se estivessem em condições de uso.
FEPASA E RFFSA
Apesar do nível de deterioração das composições, as estruturas ainda possuem identificações da antiga Ferrovia Paulista S/A (Fepasa), declarada extinta em 1998, e também da antiga Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), encerrada em 1999.
Segundo o JC apurou com profissionais ferroviários da cidade, que pediram para não serem identificados, esses veículos trafegavam na Malha Oeste, que integra a antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e um trecho da antiga Estrada de Ferro Sorocabana, e foram abandonados no ponto após o desuso dos trilhos de bitolas estreitas.
RESPONSABILIDADE
Após constatar o problema na região central de Bauru, a reportagem questionou as entidades relacionadas ao transporte ferroviário do País sobre quem seria responsável pelo maquinário. Houve uma espécie de "empurra-empurra" entre o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a concessionária Rumo Logística.
A Rumo, responsável pela gestão da Malha Oeste, informou já ter feito a destinação do material rodante (locomotivas e vagões) que eram de sua propriedade e se encontravam na região citada. "Ainda estão no local ativos arrendados, cuja retirada depende da extinção do contrato de arrendamento da Rumo Malha Oeste, que está em trâmite na ANTT. Há também ativos que nunca foram arrendados à Rumo, que são considerados não operacionais e estão sob a responsabilidade do Dnit", concluiu.
Já o Dnit, depois de ser acionado pela reportagem, afirma ter feito o registro fotográfico do espaço e que está fazendo a identificação de cada um dos equipamentos a partir dos respectivos códigos de patrimônio. "Com esses números, será possível identificar se o bem pertence à concessão (da Rumo) ou ao Dnit (como herança da RFFSA). Com base neste levantamento, a autarquia dará o destino adequado para os bens sob sua responsabilidade", acrescentou a entidade em seu posicionamento.
Por fim, a ANTT declarou, em nota, que só poderia confirmar se as locomotivas e vagões são de propriedade da União ou da concessionária Rumo mediante informação do Número de Bem Patrimonial (NBP) de cada uma das composições ali estacionadas.
"Sobre os planos da União para dar uso aos veículos, menciona-se o Decreto nº 10.161/2019 que, no seu artigo 7.º, permite ao concessionário alienar ou dispor dos bens inservíveis do Dnit, arrendados ou não, o que foi regulamentado e está em tratamento pelo mesmo Dnit", acrescentou o órgão.