Geral

Investigação de crimes

Rita de C. Cornélio
| Tempo de leitura: 8 min

Andarilho reabre caso "Mara Lúcia"

Texto: Rita de C. Cornélio

Depois de 30 anos, o caso Mara Lúcia Vieira pode ser desvendado. A semelhança entre o crime que abalou a população de Bauru na década de 70 com os crimes que o engraxador de portas de Rio Claro, Laerte Patrocínio Orpinelli, 48 anos, confessou que cometeu, levou a Delegacia de Investigações Gerais/Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos (DIG/Garra) de Bauru até aquela cidade. Em entrevista exclusiva ao JC, o "Monstro de Rio Claro", como Orpinelli vem sendo chamado, admitiu que passou por Bauru duas vezes. A primeira vez na década de 70 e outra, no ano passado. Ele lembrou de todo o trajeto que fez nas cidade da região.

Orpinelli não descartou a hipótese de ter feito algum "cliente" (forma que ele denomina suas vítimas) em Bauru. "Já faz muito tempo, preciso lembrar. Já cometi 2.500 crimes mais ou menos", admitiu. Ele pediu para que o delegado titular da DIG/Garra, J.J. Cardia, retornasse em um dia mais calmo para que eles pudessem conversar, alegando que estava cansado de tantas entrevistas.

Que Orpinelli tem problemas mentais, não há sombra de dúvidas. Ele já esteve internado em manicômio no final da década de 60. O comportamento dele remete a uma pessoa psicopata. Lembra com detalhes de alguns assassinatos que cometeu e fala desses fatos como se o assassinato de uma criança fosse normal. "Eu não odeio as crianças, mas Satã toma conta de mim, quando eu tomo uns conhaques", afirmou.

De acordo com ele, Satã começou a "pegá-lo" logo depois que ele deixou o Hospital Luiz Sayão, em Araras, em 1968. "Depois que saí do manicômio que eu estava internado, passei a ter vontade de matar crianças. Quando estou tomado por ele (Satã) não posso ver uma criança, que persigo até matar", relatou Orpinelli.

Ele nega que tenha estuprado suas vítimas. "Eu sou impotente faz 15 anos. Eu passava a mão nas meninas. Mexia com elas, mas não estuprava. Eu prefiro as meninas. Sempre uso as mãos para matá-las. Estrangulo e depois enterro. Não gosto de deixar os corpos jogados", afirmou com frieza.

Orpinelli admitiu que foi uma criança diferente. "Desde criança que eu tenho problema. Tenho atitudes esquisitas. Fico fora de mim. É quando odeio as crianças. Já matei de várias formas. Teve um menino que eu taquei na parede". Teve uma menina que dei uns beijinhos. Ela era negra e tinha 4 anos. Só uma eu matei dentro da casa dela, no sofá da sala", disse.

De acordo com a polícia de Rio Claro, Orpinelli costumava voltar ao local do crime. É muito confuso na hora de definir o local onde enterrou suas vítimas, mas já levou os policiais a encontrar duas ossadas. Ontem, ele levou a delegada que investiga o caso, Sueli Isler Batelochi, a uma casa abandonada onde teria morado por um tempo.

Caso Mara Lúcia está sem solução

O "modus operandi", na linguagem policial a maneira como o suspeito agia com suas vítimas, levou a Polícia Civil de Bauru, através da DIG/Garra, a iniciar uma investigação do caso Mara Lúcia Vieira, que já estava arquivado, por falta de provas ou de um fato novo, o crime ficou sem ser esclarecido.

O delegado J.J. Cardia acredita nessa possibilidade. "Não podemos afirmar, pois ainda estamos na fase de levantar indícios. O que me despertou foi que as vítimas preferidas pelo engraxador de portas eram as meninas com idade entre 9 e 12 anos. Coincidentemente, a Mara Lúcia foi morta com 9 anos", lembrou o delegado.

Outro fato que chamou a atenção de J.J. Cardia foi a maneira como Orpinelli matava suas vítimas. "Por estrangulamento. Em um caso, ele admitiu ter usado uma cordinha

(como Mara Lúcia foi estrangulada)", disse. A vinda do engraxador de portas para Bauru na década de 70, fato admitido por ele ontem, é outro fator que leva o delegado a pensar na hipótese de que ele possa ter iniciado seus crimes por Bauru. "Ele admitiu que depois de ter deixado o manicômio passou por Bauru", disse.

Outra coincidência é o horário em que a menina desapareceu. Pelo que consta no processo, o desaparecimento de Mara Lúcia aconteceu por volta das 16 horas, horário em que Orpinelli costumava executar seus crimes. "Eu agia sempre à tarde, depois das quatro horas", admitiu.

Cardia explica que a partir de agora vai tentar fazer vários levantamentos que possibilitem o desarquivamento do caso. "O crime já está prescrito, o prazo de prescrição

é de 20 anos. Queremos dar uma satisfação para a sociedade, que até hoje clama por Justiça"

, afirmou o delegado.

De acordo com ele, se os indícios remeterem o crime de Bauru a Orpinelli, o desarquivamento do processo será pedido. Só então, irá ouvi-lo em depoimento. "Se tudo se confirmar, pretendo trazê-lo para Bauru a fim de levá-lo até o local do crime para clarear as lembranças dele. Se for ouvi-lo, pretendo trazer o advogado dele e um psiquiatra junto", planeja Cardia.

Mara Lúcia foi estrangulada e estuprada

O rapto da menina Mara Lúcia Vieira aconteceu no dia 11 de novembro de 1970, da quadra 13 da rua Saint Martin, Centro. A menina foi vista, pela última vez, em companhia de um homem que ela mesma disse, a um colega, ser "biruta". Seu corpo foi encontrado na quadra 8 da rua Professor José Ranieri, por uma mulher que pretendia alugar o imóvel, quatro dias depois do desaparecimento da menina.

Na época, a menina estava com 9 anos. Ela foi morta por estrangulamento. O assassino usou a corda da privada de um banheiro externo da casa para cometer o crime. Depois de morta, ela foi estuprada, conforme laudo anexo ao processo.

Durante muitos anos, a polícia trabalhou para desvendar o crime, porém o processo acabou arquivado por falta de provas. Na época e alguns anos depois, muitos rumores correram pela cidade, acusando um e outro. Porém, no processo, até mesmo o repórter Saulo Gomes, que teria anunciado através da extinta Rádio PRG8, possuir provas contra um tal de

"Francês", recuou quando foi ouvido pela polícia. Não havia provas concretas contra nenhum dos apontados como assassino. O caso faz parte do consciente coletivo da sociedade bauruense, que cobra um esclarecimento.

Testemunha

A testemunha chave do caso Mara Lúcia, na época com 13 anos, foi a última pessoa que viu a menina viva.

"No processo consta que a testemunha teria encontrado a menina na rua Benjamin Constant, próximo da casa de ambos. Ela teria perguntado sobre quem era aquele homem e ela teria feito um sinal de que ele era "biruta".

Durante anos, o menino foi ouvido e levado para reconhecer os suspeitos. Ele nunca apontou nenhum dos suspeitos como sendo o homem que acompanhava a vítima, no dia em que ela desapareceu.

"Ela não é estranha"

"Ela não me é estranha". Esta foi a primeira impressão que Orpinelli teve ao ver a foto da menina Mara Lúcia Vieira, mostrada ontem pelo delegado J.J. Cardia. Ele chegou, inclusive a arriscar uma idade para a menina. "A foto é antiga, mas essa menina tinha uns 10 anos aqui, não é doutor?, disse Orpinelli ao delegado.

Ele questionou Cardia sobre uma tal bolsinha. "Ela tinha uma bolsinha?", perguntou. Iniciou, em seguida, um pequena lembrança dos fatos ocorridos em 70, durante sua passagem por Bauru. "Era uma descida. Parece que eu dei a mão para uma menina. Mas faz muito tempo, não consigo lembrar. Volte outro dia, hoje estou muito cansado", alegou.

Durante mais de uma hora Orpinelli conversou com o delegado e com exclusividade com os repórteres do JC. Pediu refrigerante e coxinha, pois alegou que estava com fome. Enquanto comia o lanche, ele lembrou da cidade de Bauru. "Conheço bem a estação ferroviária. Tem um Posto Policial da PM, uma padaria onde eu tomava uns conhaques e vários bares" relembrou.

Falou sobre uma pensão onde ficava hospedado. "Doutor, ali perto da praça da ferroviária (Praça Machado de Mello) tem um hotelzinho onde fiquei hospedado. Andei muito pela Rodrigues Alves e dormi uma noite no Albergue Noturno. Tem outra praça, bem longe dessa, onde há vários vendedores ambulantes de lanches, onde eu passei. Tem uma igreja", relatou.

Ele falou do campo de futebol do Esporte Clube Noroeste. "Fica na saída de Bauru para Agudos", arriscou. Depois concluiu, com ajuda do delegado, de que a saída era para Marília.

"Isso mesmo doutor", disse.

Orpinelli lembrou também do Calçadão. "Desta

última vez que passei por Bauru (no ano passado) tinha um Calçadão, com cobertura azul. Dali peguei o circular e fui para Piratininga."

Laerte Patrocínio Orpinelli nasceu em Araras e, segundo ele mesmo contou, desde criança teve problemas. "Eu só tive uma namorada. Depois que fui internado, trabalhava de engraxador de portas sanfonadas", disse. Durante muitos anos percorreu todo o Estado de São Paulo e pode realmente ter cometido cerca de 2.500 crimes como arriscou a dizer.

Se sua vida criminal teve início aos 18 anos, são 30 anos matando crianças, todas as vezes que Satã tomaria conta dele. "Passei por Bauru na década de 70, pela primeira vez. No ano passado retornei. De Bauru fui para Piratininga, onde pernoitei por três noites no Albergue Noturno."

Ainda na região de Bauru, Orpinelli lembrou que passou por Santa Cruz do Rio Pardo. "É uma praça boa para engraxar porta." De Santa Cruz, ele seguiu para Ourinhos e Assis. Passou também, em outra época, por Jaú.

Pesquisa

A vida e a história de Mara Lúcia Vieira e de Maria Nunes está sendo estudada e pesquisada por uma historiadora aposentada da Unesp de Franca. Segundo informações extra-oficiais, a historiadora estaria fazendo um levantamento sobre pessoas da região que são consideradas "santos regionais."

No túmulo de Mara Lúcia Vieira e de Maria Nunes, ambos no Cemitério da Saudade, há várias placas de agradecimentos de pessoas que teriam conseguido graças com a intercessão das duas mulheres. Mara Lúcia teria atendido os pedidos relativos a crianças, enquanto Maria Nunes, os assuntos relacionados ao amor.

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