Geral

O simbolismo do livro

Isolina Bresolin Vianna
| Tempo de leitura: 6 min

Especial para o JC Cultura (*)

Em uma das primeiras páginas do primeiro volume da Coleção História da Vida Privada (da Companhia das Letras), que vai do Império Romano ao ano mil, encontra-se a ilustração de um sarcófago, da metade do século II, descrito assim: Detalhe de um sarcófago, metade do século II. Na poltrona alta que constitui seu privilégio, a dama amamenta o bebê, segurando um livro, o que indica sua classe, o pai nobremente se apóia num pilar convencional (Paris, Louvre).

Atenção para o detalhe segurando um livro, o que indica a sua classe.

No começo do século XVIII, mais precisamente em 1712, o advogado João Mendes da Silva, era tido por pessoa ilustre e de grande cultura, importante na sociedade do Rio de Janeiro da época, porque era possuidor de 150 livros.

Em nossos dias, para citar apenas um só, todos conhecemos a importância de José Mindlin como um ilustre membro da inteligentzia, ou seja, da elite intelectual por ser dono de uma das maiores bibliotecas do País.

Mesmo saltando os séculos, vamos encontrar o livro como um índice do verdadeiro status do homem, o seu status intelectual, que é o verdadeiro porque é dele, exclusivamente, não é como o status adquirido com a sorte grande, a fortuna herdada ou adquirida, que pode ser perdida, roubada, destruída, nada restando, ao passo que o livro lido e introjetado faz parte do patrimônio indestrutível e inalienável de cada um.

Um dos grandes mestres que me ensinaram, ao longo dos meus mais de quarenta anos de estudos e de escolaridade, dizia que um livro lido é um curso a mais que se completa, é um acréscimo à nossa economia intelectual, é uma lição de vida a mais. E afirmava que a palavra escrita é a que se introjeta para sempre em nossa mente, formando uma reserva de conhecimento, que mais cedo ou mais tarde aflora, quando dela precisamos.

E dizia mais, que o verdadeiro e completo alfabetizado é aquele que ao falar e/ou ouvir uma palavra, mesmo de outra língua que igualmente conheça, consegue vê-la escrita em sua mente.

Esse meu velho mestre não chegou a conhecer o computador. Mas quando me lembro dessas suas palavras, com as quais procurava enfatizar a necessidade de ler e explicava que a leitura forma o nosso acervo cultural, eu penso que é como, nos dias de hoje, adquirir um programa e/ou alimentar um computador, programar um computador.

É evidente que aquele que não lê, não adquire cultura própria e o seu computador particular, a sua mente, o seu intelecto, não tem programa, não tem alimento, não tem substância e em se tratando de um status intelectual é completamente pobre, em que pese toda a fortuna que possa ter, que lhe dê outro tipo de status, mas jamais terá o status intelectual, único que é próprio da pessoa e não pode ser perdido, nem roubado.

A ignorância é a mãe do fanatismo, porque o ignorante é um predisposto a acreditar em tudo quanto lhe falem, uma vez que não lendo, ele não sabe. Da mesma forma ele se deslumbra com o primeiro que lhe vier falar palavras bonitas, óbvias e agradáveis, sendo também sujeito a ser facilmente enganado.

É a ignorância que forma os fanáticos que se deslumbram com os tiranos e deles se tornam escravos intelectuais.

Para não se tornar um fanático nem uma vítima de tiranos espertos, leia, estude, aprenda e não deixe que outros façam a sua cabeça: faça-a você mesmo, lendo bons livros.

Bom, podemos concluir que no contexto sócio-econômico cultura dos nossos dias, da mesma forma que o automóvel, o celular e o cartão de crédito são símbolos do status consumista, o livro é ainda, como há séculos, o símbolo de um status intelectual.

No campo religioso, livros são os principais símbolos das regiões vigentes na sociedade atual, desde o princípio do monoteísmo.

Foi com Moisés e o judaísmo que se instalou a crença num Deus único e universal. E o símbolo dessa crença são os cinco livros representados pelo Pentateuco: Gênesis, que fala da criação do mundo, Êxodo, que conta a intervenção de Deus em favor do povo judeu, libertando-o do jugo egípcio, o Levítico, que informa sobre os rituais de adoração e normas de conduta, Números, que apresenta fatos acontecidos, estabelecendo distâncias e números estatísticos e finalmente o Deuteronômio, que conclui apresentando a coletânea de leis e costumes que devem ser observados. Esse conjunto de livros-símbolos é o que e constitui na primeira revelação, em termos de crença em um Deus único, em oposição ao paganismo anteriormente vigente.

Foi dentro do próprio judaísmo que nasceu aquele que deveria vir a ser o arauto da segunda revelação, Jesus Cristo, que nasceu judeu e foi o introdutor do Cristianismo, representado por quatro livros símbolos que são os quatro Evangelhos, dos apóstolos Mateus, Marcos, Lucas e João. Eles foram os intérpretes e propagadores dos ensinamentos de Jesus, como Platão foi o propagador das idéias de Sócrates. Os dois maiores filósofos da alma, não escreveram eles próprios os seus livros, mas para que suas idéias se tornassem conhecidas eles precisaram de quem os escrevessem por eles e então seus livros-símbolos, escritos por seus discípulos é que se constituíram nas suas filosofias chegadas até nós, graças a esses livros. A revelação trazida pelo Cristianismo, por meio dos quatro Evangelhos, constitui-se naquilo que podemos chamar de segunda revelação e é a base doutrinária da religião católica e das demais que também tomam por base esses livros e são chamadas, de um modo geral de evangélicas.

Existe também, em nossos dias, a partir da segunda metade do século XIX o Pentateuco de Allan Kardec, composto dos livros: O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Céu e o Inferno e O Livro da Gênesis. Esse Pentateuco kardeciano é o que se constitui na terceira revelação e seria a mais recente filosofia monoteísta, iniciada com Moisés, seguida por Jesus Cristo e complementada por Allan Kardec.

Daqui então podemos concluir que esses são os livros-símbolos das religiões mais atuais, seguidas no mundo ocidental, todas elas oriundas do monoteísmo.

Vimos livros que simbolizam intelectualidade, simplesmente por serem repositórios de sabedoria, em geral, livros que simbolizam religiosidade, conforme as crenças e filosofias desenvolvidas a partir dos últimos cerca de vinte séculos.

Da mesma forma que os símbolos de status social e de religião, podemos citar livros-símbolos da cultura universal, representados pelos livros mais eruditos da humanidade e que fazem parte do acervo cultural humano, na sua mais alta expressão como as epopéias: Ilíada e Odisséia, de Homero, A Eneida, de Virgílio, A Divina Comédia, de Dante, Os Lusíadas, de Camões, O Paraíso Perdido, de Milton, O Don Quixote, de Cervantes, A Henriada, de Voltaire.

Todos esses livros, juntamente com o maior de todos, a Bíblia, origem de muitos deles, são livros-símbolo da grandeza humana e conhecê-los só podem engrandecer-nos também, enriquecendo nosso acervo cultural e por conseqüência, tornam-nos também mais ricos, dentro de nós mesmos.

(*) Isolina Bresolin Vianna é membro da Academia Bauruense de Letras.

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