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Lei dá livre acesso aos deficientes

Redação
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Os deficientes físicos, visuais e auditivos de Bauru são os beneficiados por uma nova lei municipal, que rege normas de acessibilidade total para portadores de deficiência a prédios particulares mas de uso público, como restaurantes, cinemas, hotéis, supermercados, centros comerciais e escolas de ensino privado.

A lei, de autoria do vereador José Eduardo Ávila, do PPB, entrou em vigor no último dia 23, e prevê a construção de sanitários adaptados, a reserva de espaços para pessoas com cadeira de rodas e a construção de rampas com corrimão ou elevadores nos estabelecimentos particulares.

Segundo Ávila, essas medidas servem para que os deficientes físicos tenham acessibilidade total. “Essa lei dá o direito de ir e vir ao deficiente. E reformar ou adaptar as construções não encarece a obra”, diz.

O vereador ressalta que essa lei é uma ampliação de outra lei municipal, esta de 1999, que disciplina o acesso de deficientes a prédios públicos, e que as normas estabelecidas estão condicionadas às normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (Abnt) e ao Código de Obras do Município. “Ela (a lei) traz obrigações ao setor privado”, explica.

Segundo Francisco Takao Kajino, coordenador geral do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Comude), o número de deficientes de Bauru está em torno de 4 mil pessoas, segundo o censo de 1995, o que representa quase 2% da população total da cidade. Para Kajino, a lei vem em boa hora. “Nós (o Comude) participamos da elaboração da lei. A idéia é dar independência quase total ao deficiente”, revela.

A nova lei, entretanto, traz medidas polêmicas, como o artigo que versa exclusivamente sobre hotéis, motéis, pensões e pousadas. Mais especificamente, sobre a necessidade de equipar pelo menos dois quartos do estabelecimento com mobiliário próprio para deficientes, além de indicações em linguagem Braille (código táctil para cegos).

Para atender os portadores de deficiência auditiva, os hotéis também serão obrigados a contar com pessoal treinado em Língua Brasileira de Sinais (Libras) e em Braille e a ter sinais luminosos de informação.

Mudanças

Apesar de todos os gerentes e funcionários de hotéis ouvidos pelo JC serem favoráveis a leis que beneficiem os deficientes, alguns acreditam ser muito difícil cumprir as novas exigências. Segundo contam, poucas vezes os hotéis são procurados por deficientes físicos e, quando isso acontece, eles estão sempre com um acompanhante.

Além disso, muitas construções são antigas, o que impossibilita adaptações mais profundas na estrutura. “Não temos quartos adaptados para deficientes e, com certeza, nenhum hotel de Bauru tem”, afirma o gerente de um hotel no centro da cidade.

José Obeid, diretor de um grupo hoteleiro de Bauru, declara que a empresa segue as normas da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur). “Temos rampa de entrada e elevador com condições de comportar uma cadeira de rodas, mas nunca foi solicitado nada mais que isso”, relata.

Obeid conta que um dos hotéis do grupo foi equipado com um novo elevador, que tem os botões de numeração dos andares escritos em Braille. Entretanto, ele não se recorda de nenhum cego que o hotel já tenha hospedado. “Se é lei, temos que cumprir, mas ainda não fui notificado de nada”, afirma.

Através de sua secretária, o presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Bauru, Carlos Roberto Momesso, declarou que ainda não tem conhecimento do teor da lei, mas que a própria categoria já vem se modernizando nessa área. Segundo ele, se for necessária alguma reformulação na infra-estrutura dos estabelecimentos, não será muito além do que já está sendo feito.

Barreiras

Para um portador de deficiência, ir ao cinema e depois comer um sanduíche é uma tarefa difícil. Dos cinemas de Bauru, apenas um permite o livre acesso aos deficientes físicos. Mesmo assim, uma escada impede o uso dos banheiros.

Num cinema do centro da cidade, uma escadaria íngreme não permite que os deficientes chegue a nenhuma das duas salas. Quando vão ao cinema, têm que entrar carregados pela porta de saída. Dentro da sala, são obrigados a ocupar o espaço entre a tela e a primeira fila de poltronas.

Segundo Marizaura Fialho, gerente do cinema, não é possível fazer modificações imediatas porque o prédio é muito antigo. “Já conversamos com um engenheiro sobre isso, mas a empresa tem algumas prioridades”, conta.

Kajino, que acompanhou a reportagem durante a visita aos estabelecimentos, diz que nas lanchonetes e restaurantes o acesso também é difícil, pois sempre há um degrau ou pouco espaço livre para manobrar a cadeira de rodas. Ele ressalta, no entanto, que uma lanchonete fast-food na avenida Nações Unidas já cumpre as exigências há muito tempo.

No local, há rampas para deficientes, banheiro adaptado e até mesmo cardápio em Braille. Kajino observa, porém, que ainda há um pequeno degrau na entrada, o que o impossibilitaria de chegar ao balcão sozinho. “São detalhes que atrapalham, mas, perto dos outros lugares, aqui o acesso é ótimo”, diz.

Luciano Garcia, gerente da loja, explica que a preocupação com o deficiente é norma da empresa. “Nossos restaurantes seguem essa regra no mundo inteiro”, afirma. Ele também conta que, em Bauru, a lanchonete já teve uma atendente que dominava a linguagem de sinais. Pela lei atual, essa exceção deverá ser regra.

Atualmente, fora as grandes redes de fast-food, é quase impossível encontrar restaurantes ou bares da cidade que tenham, pelo menos, rampa de acesso ou sanitário adequado.

Fiscalização

A nova lei prevê aprovação de projetos de construções e concessão de alvarás de funcionamento somente se a obra respeitar as normas dispostas. O estabelecimento que não cumprir as regras poderá ser multado, mas o valor ainda não foi regulamentado.

De acordo com Tânia Kamimura Maceri, diretora do Departamento de Uso, Controle e Ocupação do Solo da Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan), a lei anterior sobre acessibilidade em prédios públicos já previa fiscalização de obras, novidade que não muda no caso atual. “Faremos o serviço de rotina, mas se um projeto for aprovado e depois, na construção, for desrespeitado, pode haver embargo da obra”, afirma.

Braille e Libras

Como um dos itens da nova lei de acessibilidade aos deficientes prevê que hotéis, restaurantes e similares contem com funcionários treinados em linguagem de sinais e Braille, as empresas poderão encontrar aulas desses códigos aqui em Bauru.

A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é ensinada em Bauru no Núcleo Integrado de Reabilitação e Habilitação (Nirh), órgão ligado a Universidade de São Paulo (USP). Além dos próprios surdo-mudos, pais e professores têm interesse em aprender o código.

Atualmente, o Nirh conta com um único instrutor de Libras, que atende 56 deficientes auditivos, a maioria formada por crianças em idade escolar.

O Lar Escola Santa Luzia Para Cegos, que trabalha com a alfabetização e integração do deficiente visual, oferece cursos de Braille para professores e pedagogos.

De acordo com Nilce Regina Capasso Canavesi, presidente da entidade, aprender o código é bem difícil. “Não vejo o porquê de um funcionário aprender Braille, mas os nossos alunos podem fazer outros serviços, como a tradução de cardápios”, revela.

Para Nilce, seria um grande avanço se a lei desse certo, mas ela acredita que há outras propostas simples que poderiam ser concretizadas. “Há muitos anos pedimos a confecção de placas em Braille nos pontos de ônibus, mas se nem isso fazem, fica difícil”, afirma.

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