Tribuna do Leitor

Tomando uma dura sem que a mereçamos

José Paulo Toffano
| Tempo de leitura: 3 min

“Mas você... que esperança ! Bolsa, títulos, capital de giro, 'public relation’. E tome gravata. Commodities, CDBs, fundos de ações. E tome gravata. O amor sem paixão, o corpo sem alma. E tome gravata. Lá um belo dia o infarto. Ou pior ainda: O psiquiatra!” (Vinícius de Moraes)

Todo ano, quando chega o Carnaval, volta aquele velho complexo do brasileiro ser vagabundo. Uma grande campanha deveria acabar com esse estigma inverídico que nos classifica como o País dos feriados, dos folgados e que se presta a exaltar a “superioridade” de outros povos e ajuda a nos manter colônia, submissos. Nosso abençoado “ócio criativo” (plagiando Domênico de Masi) situa-se numa média absolutamente aceitável se comparado à de “países avançados” como o Japão, Estados Unidos e boa parte dos países da Europa. A verdade é que o Carnaval extravasa uma alegria que eles não estão acostumados a ter, e por isso morrem de inveja. “Como podem aqueles pobres se darem ao luxo de ter alegria? Dessa maneira, vão continuar chafurdando mesmo”. Por favor, não pense nos desfiles gigantescos e ruas empacotadas de gente pulando. Pense onde a esmagadora maioria dos brasileiros estava. Estávamos curtindo um sossego com as pessoas que gostamos. Estávamos valorizando sentimentos que no dia-a-dia passam despercebidos. Estávamos fazendo amizade e conhecendo lugares novos. Namorando, passeando, vadiando. E daí? Várias vezes já mostramos que podemos contribuir com idéias geniais. O Carnaval é uma delas. Ao invés de vários dias esparsos, muitas vezes caindo no meio da semana, juntamos alguns que funcionam como brinde de fim de férias. Aquela volta gradativa, criativa. Quem gosta de acordar com barulho? Prefiro espreguiçar, ter bons pensamentos, desejar-me um bom dia, trocar uma prosinha com meu Criador. Depois trabalhar. Não pense no Carnaval como uma prática carnal despudorada. Você vê isso na mídia (que adora encher nossos olhos e ouvidos com o que há de pior) e fica pensando que está todo mundo fazendo suruba pelado pela rua. Retiros e convívios familiares são o Carnaval da grande massa brasileira, e não a libertinagem propagada por gringos enrustidos ou em sermões populistas de alguns pregadores que enxergam pouco mais que verdinhas no bolso.

“Não sois máquinas. Homens é que sois”. A velocidade que a fase atual do capitalismo impõe nos deixa sempre apressados. Temos que sempre ir mais rápido. Priorizando copiar a criar. Fazemos um barulho infernal com carros, sirenes, buzinas, fábricas, ventiladores e quase tudo mais. Precisamos cada vez mais de energia. Gastamos tanta energia que somos obrigados a engolir estupros ambientais em nome da manutenção do sistema. O vento e o sol estão sendo mais valorizados. Formas de geração de energia mais limpas estão chegando. E serão suficientes para abastecer um mundo que diversifica e cria alternativas. Hidrogênio em automóveis (mais recentemente) e a velha bicicleta (que paulatinamente volta ao seu merecido posto e já propicia rondas policiais até na vizinha Bauru).

Não abro mão do progresso. Apenas acredito que existam outras maneiras menos estressantes e mais éticas de se progredir. Só precisamos de mais tempo ocioso para criar essas alternativas que nos propiciem mais carnavais e menos celulares. (José Paulo Toffano - RG 19 424 822 SSP SP)

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