Bauru 106 anos

Projeto resgata elo com passado

Daniela Bochembuzo
| Tempo de leitura: 3 min

Elo perdido entre o passado e o presente de Bauru, a história das ferrovias e dos ferroviários está sendo resgatada por um movimento formado por pesquisadores, órgãos públicos e membros da sociedade civil. O objetivo do grupo é evitar que essa história se perca e, com ela, a identidade da cidade.

O projeto, intitulado “Nos trilhos da memória: ferrovia e ferroviários”, consiste na coleta de depoimentos de ferroviários que atuaram nas antigas Companhia Paulista de Estradas de Ferro e Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) entre as décadas de 40 e 80. O material será posteriormente compilado para publicação.

O projeto está subordinado a outro mais amplo, o “Ferrovia para todos”, que consiste na recuperação de uma locomotiva, um vagão tender e um carro de passageiros construídos no início do século 20 e que encontravam-se abandonados e depredados.

“Nosso trabalho é uma tentativa de reconstruir histórias de vida e, por meio delas, abarcar várias dimensões do social”, explica o historiador Célio José Losnak, coordenador do projeto “Nos trilhos da memória: ferrovia e ferroviários”.

A importância do trabalho está no fato de Bauru não contar com um registro oral sobre o auge da ferrovia, apenas documentação oficial. “Esses depoimentos são importantes para entender o passado local e a sociedade ferroviária que tivemos aqui. Irão suprir uma lacuna”, atesta Losnak, que é professor do departamento de ciências humanas da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

É da instituição que vêm nove dos 11 pesquisadores do projeto. Dois deles têm bolsa custeada pela Secretaria Municipal de Cultura, parceira do projeto. Os demais têm trabalho financiado por bolsas oferecidas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló-gico (CNPq).

Contra o tempo

Para realizar o projeto, iniciado este ano, os 11 pesquisadores correm contra o tempo. É que muitos dos ferroviários que vivenciaram o auge da Cia. Paulista e da NOB estão, em média, com 80 anos. Outros, morreram.

Somado ao fator etário, a mágoa é outro obstáculo enfrentado pelos pesquisadores para obter os depoimentos dos ex-ferroviários. O ressentimento é compreensível, já que esses trabalhadores nunca foram admitidos como agentes históricos e não têm reconhecimento social, principalmente porque não estão mais na fase produtiva da vida.

“Muitos não querem falar. Os que aceitam o fazem com muito prazer. No geral, os depoimentos são engajados. É uma tentativa de chamar atenção para o sucateamento das ferrovias. Eles vivem um dilema existencial e político”, afirma Losnak.

Esse é o caso do ex-maquinista Antonio Roberto Demampera, 56 anos. Embora não faça parte do universo de ferroviários pesquisa-dos, seu depoimento ajuda a entender a relação de mágoa e saudosismo que envolve a ferrovia.

“Foram 30 anos de trabalho, grande parte deles como maquinista, função que amo até hoje. Tive o privilégio de carregar trens enormes, repletos de passageiros, mas a política suja acabou com a nossa ferrovia. Sou um ferroviário ressentido”, desabafa Demampera, que aposentou-se em 1995 e hoje é membro do Sindicato dos Ferroviários.

Essas nuanças, após coletadas, serão selecionadas para posterior publicação. O material irá compor um arquivo de memória oral sobre a ferrovia, os ferroviários e a cidade, que ficará à disposição de pesquisadores e da população.

Até o final de 2002, os pesquisadores deverão concluir a coleta e transcrição de depoimentos dos ex-ferroviários da Cia. Paulista. No primeiro semestre de 2003, o material selecionado deverá ser publicado e iniciada a fase de entrevistas de ex-ferroviários da NOB.

Para pesquisadores, projetos como o coordenado por Losnak são extremamente importantes para recuperar o passado de Bauru, restabelecendo elos com o presente e o futuro.

â€œÉ preciso criar laços para motivar a coletividade”, afirma a historiadora Lidia Maria Vianna Possas, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Marília e autora do livro “Mulheres, trens e trilhos”, lançado recentemente pela Edusc.

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