Cultura

Sobre mundos - Biofilia versus necrofilia

Por Padre Beto | Especial para o JC Cultura
| Tempo de leitura: 4 min

Com grande agitação, um jovem correu em direção a Sócrates e disse: “Mestre, eu preciso te contar como o teu amigo...” “Pode parar”, interrompeu o filósofo, “O que você vai me contar já foi passado pelos três crivos?” “Três crivos?”, disse o jovem admirado. “Sim, pelos três crivos! Vamos ver se o que você vai me contar realmente passa pelos três.

O primeiro crivo é a verdade. Você já comprovou se o que você vai me contar é realmente verdadeiro?” “Não, eu somente ouvi dizer, e...” “Ah, ah...”, interrompeu Sócrates novamente, “mas com certeza o que você quer me dizer já foi passado pelo segundo crivo, o crivo da bondade. Isso que você quer me contar é, pelo menos, algo de bom?” O jovem respondeu: “Não, não é nada bom, pelo contrário...”

"Então”, disse imediatamente o filósofo, “vamos, finalmente, usar o terceiro crivo. É realmente necessário que você me conte isso?” “Bom, necessário, na verdade, não é...”

“Então”, disse Sócrates sorrindo, “se isso que você quer me contar não é verdadeiro, não é bom e nem necessário, mantenha isso enterrado e nos deixe livres desta carga.”

Para Erich Fromm, o ser humano torna-se, eticamente falando, uma boa pessoa a partir do momento que suas atitudes são marcadas pelo instinto de prazer, pela necessidade criativa de viver. A esta característica ética essencial, Fromm deu o nome de “Biofilia”. Podemos chamar de biofílico, orientações, posturas, interesses, esperanças, decisões ou até mesmo relações humanas que ao invés de diminuírem, ou até mesmo destruírem, a nossa vida ou a dos outros, criam condições para que a vida de todos se desenvolva.

Se as tendências biofílicas transformam-se em ações concretas, damos a elas o nome de virtude. O oposto de biofilia, porém, chama-se “necrofilia”, ou seja, a tendência à diminuição de vida, atitudes que criam obstáculos para a realização pessoal de todos.

Uma relação de amizade torna-se biofílica quando os amigos se incentivam mutuamente a buscar e a desenvolver suas vidas. Porém, se esta amizade é marcada pela inveja, exploração ou dependência estamos, com certeza, diante de uma relação necrofílica. Não somente nossas atitudes e comportamentos podem ser caracterizados como biofílico ou necrofílico, mas também as estruturas e sistemas sociais em que vivemos.

A biofilia torna-se social quando a sociedade oferece condições para o desenvolvimento da vida humana (saúde, educação, salário justo, moradia, etc). Mas, se a concorrência desleal, o analfabetismo, a corrupção, a injustiça social pertencem à nossa vida cotidiana, vivemos em uma sociedade necrofílica.

Viver segundo a biofilia significa, em todos os momentos, procurar cumprir um mandamento ético básico: “agir de tal forma que possamos aumentar a qualidade de nossa vida e a qualidade de vida de nossos semelhantes”. O ser humano age eticamente bem quando, em uma relação comunicativa consigo mesmo, com os outros e com o mundo, procura manter e desenvolver condições de vida para todos.

Ser biofílico é descobrir que ninguém é feliz sozinho. O desenvolvimento da vida em todas as suas dimensões é uma oportunidade muito criativa que pode não dar certo caso o universo que nos circunda seja marcado pelo negativismo.

Com certeza, pessoas que se relacionam e se orientam biofílicamente, possuem maior sucesso em suas relações, pois atraem o positivo para seu universo.

“Aquele que tem, lhe será dado e lhe será dado em abundância, mas ao que não tem, mesmo o que tem lhe será tirado” (Mt. 13, 12). Além do mais, as pessoas que possuem uma postura positiva diante da vida sempre se sobressaem, pois rompem com a mesmice medíocre da necrofilia que, muitas vezes, caracteriza o nosso cotidiano.

Biofilia não significa, porém, ingenuidade e muito menos fuga da realidade.

Um critério para seguir o mandamento da biofilia é a capacidade de confrontar-se com os problemas de nosso “dia-a-dia” na tentativa de resolvê-los em busca de mais qualidade de vida para todos. Ser biofílico é deixar de ser derrotista e saber vivenciar conflitos com a esperança viva de alcançar, através da confrontação, uma nova harmonia no viver. Neste sentido o conflito pode ser altamente biofílico. Justamente as situações destrutivas são frutos da alienação e da falta de conflito.

Se analisarmos bem nossa realidade atual iremos nos assustar pela intensidade necrofílica de nossa vida: a situação social de nosso país, a rapidez como as notícias ruins são entre nós veiculadas, os programas e noticiários sensacionalistas da televisão, a curiosidade em descobrir as falhas e os erros dos outros, etc.

À cada ser humano, porém, foi dado a capacidade divina de transformar atmosferas pessimistas e negativistas; basta que cada um assuma o compromisso ético de tornar-se biofílico criando condições de vida e felicidade para todos. “Há grandes homens que fazem com que todos se sintam pequenos. Mas o verdadeiro grande homem é aquele que faz com que todos se sintam grandes” (Gilbert Keith Chesterton).

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