Bairros

Carroças são trocadas por carriolas

Luciana La Fortezza
| Tempo de leitura: 3 min

Eles são notados principalmente porque, às vezes, atrapalham o trânsito. Estão por todos os lados, recolhendo papéis e material reciclável. No entanto, nunca suaram tanto para garantir a própria sobrevivência. A transpiração em excesso tem um novo motivo: grande parte dos catadores substituiu as carroças de tração animal por carrinhos puxados à mão.

O preço de um “bom cavalo”, os custos da manutenção dele, a dificuldade em tratá-lo, a concorrência e as empresas de reciclagem que disponibilizam carriolas aos interessados em coletar material e vender estão entre as argumentações de alguns carroceiros para justificar a mudança.

Embora não existam dados oficiais para confirmar a troca, a queda de 30% no número de apreensões de cavalos estimada pelo Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) pode ser um indício.

Em anos anteriores, cerca de 500 animais eram apreendidos por ano pelo CCZ. Atualmente, as apreensões não passam das aproximadas 350. Longe dos números e fincados na realidade, entre os catadores a tendência é de preferir a carroça com cavalo, mas a opinião não é unânime.

“Trabalhei três anos com cavalo. Desisti e peguei o carrinho por causa da sujeira. Quem mora em sítio tudo bem, mas na cidade é difícil. Uma vez fui limpar o quintal, tinha um monte de bigatinhos. Depois do trabalho, tem que chegar em casa, cortar capim e cuidar do animal”, conta o ex-motorista e atual catador Pedro Carneiro.

Na opinião dele, o cavalo tem de ser bem tratado e isso implica em comprar dois sacos de ração a cada dez dias, o que custa cerca de R$ 20,00. “Tem dia que a gente não ganha nem para comprar um marmitex. Agora uso carrinho mesmo e a bicicleta para coisas pequenas. Se furar um pneu, você paga R$ 5,00 para consertar uma câmara de ar”, conta.

Pela mesma razão, Wladimir Carrafiello, proprietário de um estabelecimento que compra e vende materiais reciclados, disponibiliza dez carriolas para interessados em coletar material e vender para ele. Por mês, Carrafielo não gasta mais de R$ 25,00 para mantê-la. “A carroça é muito custosa. Nunca me ocorreu comprar um cavalo”, garante.

Mas a aquisição do animal é um sonho que Carlos Aberto Fogaça nutre, embora trabalhe com uma carriola. “Um cavalo bom custa entre R$ 300,00 e R$ 400,00. A gente ganha (vendendo material reciclável) uns R$ 200,00. Pegar a pé é muito cansativo. Chega na metade do dia já não agüento mais. Tem muita subida e as crianças”, diz.

Enquanto trabalha, Fogaça é acompanhado pela mulher e mais três crianças, uma delas transportada em um carrinho de bebê. “Carroça é mais ligeiro, dá para ir mais longe. Mesmo que se gaste R$ 20,00 por semana com ração ou milho, com ela é possível ganhar isso num dia só”, garante o carroceiro Welinton Gonçalves.

Concorda com ele Isac Lopes, que há 20 anos trabalha no ramo. “Caiu uns 90% o número de cavalos nas ruas porque agora tem caminhão particular de reciclagem. Tem também muita caçamba por aí”, conclui.

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Apreensões

O fato do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) apreender atualmente um menor número de cavalos em relação a períodos anteriores não significa diminuição no número de carroceiros transitando pelo cidade. A ressalva é do veterinário e do chefe da seção de controle de zoonoses do CCZ, José Rodrigues Gonçalves Neto.

Sob o ponto de vista estritamente técnico, ele considera um retrocesso a utilização de veículos de tração animal. “Além de atrapalhar o trânsito, (a manutenção dos animais) é incompatível com a questão de saúde pública”, diz.

De acordo com ele, quando um animal é apreendido pelo CCZ, o proprietário tem de pagar taxa de R$ 101,58 para liberá-lo, além de R$ 50,79 por dia que passar recolhido. “Tem gente que usa o animal até tirar o sangue e larga. Tem gente que sabe que é o ganha-pão”, ressalta o veterinário.

Mas sobreviver utilizando um veículo cuja a tração é humana também é um retrocesso, na opinião da professora de geografia regional da Universidade do Sagrado Coração (USC) Marimiriam Dias Esqueda. “Na questão do trabalho humano, a tecnologia existe só para alguns. Outros são excluídos do processo de desenvolvimento social e de qualidade de vida”, avalia.

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