A figura da velha senhora que “tira o quebranto†das crianças e o “mau olhado†das pessoas ainda resiste em muitos bairros de Bauru, apesar da tradição das benzedeiras começar a dar sinais de perda de força diante de novas “opções†espirituais. Tradicionais referências e lideranças nas comunidades onde atuam, estas pessoas que detêm o dom da cura pela oração parecem a cada dia estar mais escondidas, mas ainda mantêm sua influência nas localidades onde ainda existem.
O JC nos Bairros percorreu várias regiões da cidade e constatou que, na maioria delas, os moradores locais são capazes de indicar a existência de pelo menos uma benzedeira nas redondezas. E, independente de sua origem ou linha de atuação, as benzedeiras ainda gozam de grande admiração e exercem influência sobre a comunidade.
Segundo a pesquisadora em religiões populares Dalva Aleixo, professora na Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (Faac) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru, há vários perfis de benzedeiras, mas que podem ser resumidos a dois principais, ligados à sua origem: as européias e as africanas, ambas com influência indígena.
As benzedeiras de origem européia, explica Aleixo, no geral são senhoras brancas, de família católica, que benzem com ervas, em rituais que recebem, em alguns casos, influência da tradição indígena. “Estas geram menos preconceitoâ€, admite a pesquisadora.
Já as de origem africana, continua, geralmente têm traços negróides ou indígenas e são tratadas de forma genérica como “macumbeirasâ€, numa manifestação clara de preconceito. “A comunidade fica mais reservada neste caso, algumas pessoas revelam até certo medo, mas todas se julgam benzedeirasâ€, relata.
A professora da Faac acredita que a distinção que se faz entre benzedeiras brancas e negras é, antes de tudo, uma divisão social. “A de origem africana pode ter os filhos desempregados e morar em piores condições não porque ela é benzedeira negra, mas porque ela é negra. E os indicadores apontam que os negros são descriminados e desfavorecidos em nossa sociedadeâ€, teoriza.
“Ou seja, a mesma discriminação que se faz entre brancos, negros e índios na sociedade é reproduzida na religião. Mas a disputa é política e econômicaâ€, completa. Além disso, Aleixo destaca que o preconceito muitas vezes revela, na verdade, uma briga entre evangélicos e espíritas. “Mas não é uma briga entre Deus e diabo, entre santo e demônio. É uma briga por mercado, puramente uma disputa de fiéisâ€, avalia.
A professora cita ainda Cândido Procópio Ferreira, autor do livro “Católicos, protestantes, espíritas†- obra que inaugurou, em 1973, a moderna sociologia da religião no Brasil -, para sustentar que em ambos os casos há um contínuo religioso, que vai desde o espiritismo da mesa branca, passando pela umbanda, até chegar no candomblé. “Todas (benzedeiras) têm um roteiro comum, que é o espiritismoâ€, acredita Aleixo.
Generosidade
A pesquisadora Dalva Aleixo concorda que as benzedeiras assumem informalmente a condição de líderes comunitários porque elas exercem o que a antropologia social classifica de função compensatória. “Elas compensam para as pessoas o que elas não têm nas comunidades, preenchendo muitas vezes uma lacuna deixada pelo Estado em relação a assistência social e medicina, por exemploâ€, explica Aleixo.
A pesquisadora, que em 1989 elaborou um trabalho em Bauru sobre as artes adivinhatórias (denominação científica para classificar, entre outras, a atividade das benzedeiras), ressalta ainda que, além desta função compensatória, estas pessoas desfrutam de prestígio na comunidade porque sua atuação é sempre associado à generosidade.
“Ser benzedeira, seja de origem européia, africana ou indígena, já quer dizer ser generosa. Estamos nos referindo à pessoa que abre mão do tempo que teria para cuidar da família para atender os outros, geralmente deixando a própria a casa bagunçadaâ€, diz Aleixo.
A professora lembra ainda que a imensa maioria das benzedeiras não cobra pelo “serviçoâ€. “Elas são pobres, muitas passam necessidades, às vezes até ganham algo, mas não ficam ricas com sua atividade. E mesmo assim se mantêm solidáriasâ€, completa.
Outra fator que garante às benzedeiras grande influência nas localidades onde atuam, acredita Aleixo, é que elas se dedicam inteiramente à comunidade. “A mesma mulher que benze é a parteira, a que socorre o doente e a que lava o defunto. É mais ou menos como o antigo médico de família. E tudo isso sempre com o perfil da generosidade, pois elas assumem seu dom como uma missãoâ€, avalia.
O mecânico aposentado João de Souza, dirigente da Associação de Moradores do Parque Jaraguá, confirma que a generosidade, acima de tudo, é o principal motivo do prestígio das benzedeiras. “São pessoas de boa-fé, nas quais a comunidade confia há tempos. Ela só faz o bemâ€, diz, ao se referir à benzedeira Maria Gonçalves, 76 anos, uma das que atendem no bairro da zona noroeste. “No geral são pessoas de boa intenção e agregadoras de comunidade porque ensinam que é importante se dedicar ao próximoâ€, reforça pesquisadora.