Se nos contos de fada ela é considerada um mulher má e egoísta, na vida real abusa de carinho, respeito e inteligência para participar positivamente do cotidiano do enteado, mostrando que a convivência e o relacionamento familiar pode funcionar harmoniosamente. Este é o perfil das “boadrastas”, termo bem-humorado para denominar as madrastas e desmitificar a imagem negativa que grande parte das pessoas tem em relação às namoradas, companheiras ou esposas de homens que já têm filhos.
Quebrar este estereótipo, no entanto, não é tarefa tão fácil. Afinal de contas, além de formar uma nova família, a boadrasta precisa lidar com algumas dificuldades básicas no seu relacionamento com o enteado. Entre eles, o ciúme do filho em relação ao pai, atitudes competitivas ou “boicotes” da ex-mulher. Apesar disto, é cada vez maior o número de mulheres que driblam as dificuldades do dia-a-dia e decidem assumir o papel de boadrastas.
O primeiro passo para se obter sucesso nesta missão é se aproximar e estabelecer um vínculo maior com o enteado, aponta Roberta Palermo, terapeuta familiar e fundadora da Associação das Madrastas e Enteados (AME). Ela, que vive um relacionamento de 11 anos, é mãe de Pedro, 4 anos, e madrasta de Lucas e Amanda, reuniu sua experiência familiar para escrever o livro “Madrasta - Quando o homem da sua vida já tem filhos” (Editora Mercuryo), lançado em 2002.
De acordo com Roberta, a partir do momento que a mulher começa a namorar com alguém que já é pai, se torna madrasta e precisa se adaptar a esta nova relação. Ela não é mãe, mas terá que assumir algumas tarefas maternas, aponta a terapeuta. “Quando se trata de crianças, a madrasta pode ajudá-la a escovar os dentes, tomar banho, colocar o pijama ou preparar comidinhas gostosas no café da manhã”, sugere. O importante, observa, é demonstrar interesse pelo enteado, fazendo com que ele se sinta acolhido. “A madrasta precisa saber sobre a escola, os amigos, as atividades que o enteado gosta, por exemplo”, acrescenta.
Outro fator relevante no relacionamento familiar é a questão dos ciúmes, tanto da parte de madrastas quanto de enteados. “Os filhos precisam de um pai presente e a madrasta precisa saber disto. E os filhos, por outro lado, devem entender que o amor paterno é diferente do que ele sente pela companheira. Não pode haver competição”, destaca Roberta.
Isto é lema na casa da professora Cerinéia de Cerqueira Leite. Ela tem três enteados e três filhos, fruto de uma união que dura 14 anos. “O relacionamento entre nós é muito bom. Priorizamos o dividir entre a família e o bem-estar de todos.”
A analista de custos Silvia Grava também destaca a importância do respeito familiar. Casada desde 2002 com Luiz Carlos, ela conta que seu relacionamento com o enteado Davi, 10 anos, é como o de uma mãe e um filho, mas faz questão de deixar claro que ela nunca ocupará o lugar de sua mãe biológica. “Inventamos um apelido, chamo-o de ‘Pioinho’, uma forma carinhosa para não chamá-lo de filho e não confundir sua cabeça. E ele me chama pelo meu nome”, diz.
Para estabelecer um bom relacionamento, é essencial ter consciência de que a madrasta, definitivamente, nunca poderá substituir o papel de mãe do enteado, explica a terapeuta. Apesar disto, ela pode ajudar o pai em relação aos cuidados e educação do filho. É importante que o pai e a madrasta sigam as mesmas regras, aconselha a terapeuta familiar Roberta Palermo.
“Ela pode combinar com o pai que o jantar será servido às 20h, o banho às 20h30 e as crianças deverão ir para a cama às 21h, por exemplo, mas é o pai quem vai dizer e cobrar estas regras aos filhos”, exemplifica. Além do total apoio do pai, o sucesso de um bom relacionamento entre madrasta e enteado depende, muitas vezes, do comportamento da ex-esposa. Isto porque, se ela não aceita a atual companheira do ex-marido e ainda fala mal dela para a criança, a situação pode se complicar, aponta Roberta. “Neste contexto, o pai deve intervir e a madrasta pode mostrar, em uma oportunidade, que tem boas intenções. É difícil fazer isto, mas se ela usar de muita inteligência, tem chances de dar certo.”
A técnica de enfermagem Andréa Lipe Papassoni e a ex-mulher de Renato - com quem está casada há 13 anos e tem dois filhos, de 10 e 6 anos - se tornaram amigas, o que ajudou muito na convivência com seus enteados André, 18 anos, e Bruno, 19 anos. O mais velho mora com ela e Renato, o mais novo, com a mãe. Mas os jovens têm liberdade para freqüentar a casa tanto do pai quanto da mãe na hora em que desejam. “Meus filhos pequenos, inclusive, adoram ir à casa dela. A separação tem uma parte dolorida e, como ter duas casas é uma vantagem, nós fazemos questão que eles tirem proveito disto”, diz.