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Entrevista da semana: Ilda Delicato dedica vida à cultura

Thatiza Curuci
| Tempo de leitura: 9 min

Se Ilda Rugai Delicato fizesse um filme de sua vida, certamente teria trilha sonora italiana, muito romantismo e, principalmente, cenas de cultura. Não poderiam faltar cantores de ópera, personagens românticos em Veneza e dedicação à língua italiana. Apaixonada por tudo que inspire a cultura, ela é a primeira presidente eleita da Sociedade Italiana Dante Alighieri, que comemora o seu centenário no dia 7 de outubro.

Ela também se dedica a ministrar aulas de italiano há 12 anos na sociedade e a coordenar um coral de pupilos sedentos por informações de seus antepassados que moravam na Europa. “A maioria dos alunos descende de italianos e quer resgatar suas raízes. Alguns até choram ao ouvir uma música ou lembrar de palavras que os avós costumavam dizer em italiano”, conta.

Se não bastasse, ela é tradutora pública e intérprete de italiano. Em sua casa, os livros e a música têm espaço privilegiado. Ela guarda em uma pequena biblioteca os CDs de cantores italianos. Um dos preferidos? Luciano Pavarotti, claro.

Não é por acaso que a italiana se diz amante da cultura. Ela nasceu na mesma cidade do criador do personagem Pinóquio, Carlo Collodi. Veio morar no Brasil quando tinha apenas 4 anos, junto com os pais e a irmã. A ascendência européia manteve-se na família, já que Ilda casou-se com Angelo Delicato, filho de italianos. A família tem papel muito importante na sua vida. Como boa italiana, ela não dispensa passar os domingos na presença dos filhos e marido.

Romântica por natureza, ela tem boas lembranças da época em que conheceu o marido. Ele se apaixonou por Ilda em um baile, mas sem que ela percebesse. A partir daquele dia, o apaixonado jogou um botão de rosa na janela do seu quarto, todas as noites, durante quase um ano. Sem saber quem era o galanteador, Ilda suspirava por um amor secreto.

Em sua casa, em uma sala que gosta de ler e ouvir música, Ilda relembrou essa e outras histórias ao conversar com o Jornal da Cidade. Leia a entrevista a seguir.

Jornal da Cidade - Onde a senhora nasceu?

Ilda Rugai Delicato - Nasci na Itália, na cidade onde foi escrita a história do Pinóquio. Então, toda a história do personagem está ambientada no local onde nasci, em Collodi, que é o pseudônimo do autor que escreveu a história do Pinóquio.

JC - É uma cidade de turismo, então?

Ilda - Sim, muitos vão visitá-la. Existe um parque que foi feito e mostra toda simbologia do personagem. Uma área grande feita em mosaico é um espaço para as crianças brincarem. É uma história muito bonita. Os alunos do mundo inteiro vão visitar.

JC - O que se aprende com essa história?

Ilda - É uma história infantil, mas tem um sentido psicológico muito profundo. E verificamos que o Carlo Collodi aborda muitos temas adultos. Ele trabalha com a consciência, que é representada pelo grilo falante na história. Collodi também trabalha muito a questão da fome, um problema que a Itália enfrentou assim que se unificou.

JC - Quando a senhora chegou ao Brasil?

IRD - (silêncio)

JC - Já sei. Se falar a data dá para calcular a sua idade, não é?

IRD - Não pode. Só posso falar que vim com 4 anos.

JC - A família toda veio? Foi difícil esse primeiro contato com outro país?

Ilda - Eu não senti muito, mas acredito que meus pais e minha irmã, sim. Meus avós já tinham morado em Agudos. O meu pai nasceu no Brasil, mas voltou para a Itália quando meus avós também retornaram. Na Itália, meu pai conheceu minha mãe, se casaram e tiveram os filhos. Depois, meu pai quis voltar e ser repatriado.

JC - Foi no Brasil que a senhora aprendeu a língua portuguesa ou já sabia na Itália?

Ilda - Dizem que eu fui a primeira a falar português, ainda pequena. A criança tem muita facilidade. Já a minha irmã Carla, que já era adolescente, teve que estudar mais para aprender português. Ela sentiu mais a mudança.

JC - E no coração, tem espaço para a Itália e o Brasil?

Ilda - Fiquei dividida. Aquele amor à Itália é tão forte quanto o que sinto pelo Brasil. Fiquei muito feliz no momento que comecei a dar aulas de italiano. Depois, me tornei tradutora pública juramentada também em língua italiana. Então, sinto que, de certa forma, honrei a minha outra pátria porque sou professora efetiva de português e tenho tese defendida de inglês, que foi sempre uma grande paixão que eu tive. Lecionei por muitos anos, também, a língua inglesa. E em 1984, comecei a lecionar na Sociedade Dante Alighieri. Mais tarde, me tornei tradutora pública através de concurso.

JC - O conhecimento dos idiomas e o contato com os alunos são paixões na sua vida?

Ilda - São. Faço realmente com paixão o meu trabalho, sou muito ativa. Não consigo simplesmente ver a vida passar sem poder participar com a comunidade. Gosto muito de estar cercada por pessoas. Acho que elas nos ensinam muito com trocas de experiências. Até hoje, nunca pensei em parar de lecionar.

JC - Por que lecionar te faz tão bem?

Ilda - Primeiro, você vê um carinho tão grande dos alunos pela tua terra natal. É um curso que não é obrigatório. É uma escolha pessoal e geralmente ligada por motivos de raízes, de descendência. Muitas pessoas procuram a Itália e outros países da Europa para iniciar uma vida mais promissora e alcançar os objetivos com mais facilidade. Eu vejo através das traduções que faço o contingente enorme de jovens que estão saindo do Brasil. A gente espera que eles voltem, mas não sei.

JC - Lecionar rejuvenesce?

Ilda - Sim. Tenho contato com pessoas de várias idades. Tenho alunos bem jovens também, com 12 anos. Muitas vezes, os pais vão aprender e os filhos acompanham. A criança tem muita facilidade para aprender, não precisa de livro ou caderno. E esse contato é muito positivo. Através do curso de italiano eu montei o coral, porque eu gosto muito de ensinar música no fim das aulas.

JC - Como foi a criação do coral de vozes?

Ilda - Houve uma época que eu tinha três maestros fazendo curso de línguas e por brincadeira sugeri a eles montar o coral. Um deles se empolgou e começou a estudar as vozes de cada aluno da sala. Assim, a partir de 1990, tivemos o primeiro coral da Sociedade Italiana Dante Alighieri. As pessoas são muito animadas e procuram o italiano porque realmente gostam, pela paixão. A grande maioria da população de Bauru e região, por exemplo, descende de italianos. Sempre faço a pergunta aos alunos do porquê eles escolheram estudar italiano. É impressionante que a maior parte deles procura pelas raízes que possuem na Itália. Dizem que têm tanta saudade da nona, com expressões que ela usava na época. A atração maior da classe é o mapa da Itália. Cada um dos alunos quer mostrar em qual região possui ascendentes. Quantas vezes eu surpreendo um aluno chorando, emocionado pelas músicas. Com os mais jovens, montei um grupo folclórico que já chegou a ter 55 elementos.

JC - Quando está em casa, o que gosta de fazer?

Ilda - Ultimamente, eu não tenho feito muita coisa em casa, mas meu grande hobby é a leitura. Também sou fascinada por filmes, gosto de cinema em geral e teatro. Aliás, gosto de cultura. Acho que a minha grande paixão em dar aula é por causa da cultura. Normalmente, as pessoas associavam muito a Itália apenas com a comida. Acho que umas das obrigações minhas é tirar essa idéia de que a mama fica fazendo massa e molho aos domingos (risos). Passei a orientar os alunos que a Itália é rica em cultura, com 3.000 anos de história. É muito interessante, aliás, observar as descobertas dos alunos. Eles ficam conhecendo, por exemplo, a história das óperas e ficam fascinados. Gosto muito de ensinar língua italiana mostrando a cultura do povo.

JC - Os italianos são muito preocupados com a família? Como é a sua relação com os familiares?

Ilda - Nossa, acho que a família é a tônica mais forte na minha vida. Para o italiano, a família continua sendo o ponto mais importante. A minha família também é bastante unida. Meu marido é filho de italiano, Angelo Delicato, e tenho dois filhos que amam a tradição italiana. O mais velho é casado e o mais novo é noivo. Estamos sempre juntos nas datas importantes.

JC - Como você conheceu o Angelo, seu marido?

IRD - Foi o Angelo que me conheceu (risos). O primeiro contato foi em um baile de Carnaval quando eu, vestida de havaiana, tinha uma rosa no cabelo. Passando perto dele, ele tirou a rosa e levou-a. A partir daí, começou uma corte muito interessante. O Angelo ficou quase um ano atirando um botão de rosa na minha janela, de madrugada, sem que eu soubesse quem era. Ele convocava todos os amigos na madrugada para conseguirem rosas de cabo comprido. Houve várias vezes que meu pai, minha mãe e eu ficávamos acordados na janela, na esperança de ouvir um ruído e ver quem era o rapaz. Podia fazer frio, calor, chuva, fosse o que fosse, a rosa estava lá de manhã, quando eu acordava. Depois eu descobri que ele levantava bem de madrugada, 4h da manhã, e ia jogar a rosa lá. Até que uma vez ele ficou resfriado, quase pegou uma pneumonia e resolveu revelar sua identidade.

JC - Nessas condições, logicamente você aceitou se casar com ele?

IRD - Sim, ele conseguiu (risos). Também, com uma corte dessa! As pessoas ficam fascinadas quando conto isso.

JC - A gente perdeu muito do romantismo, não é?

IRD - Sim, tenho muita pena dos jovens que estão vivendo hoje porque realmente, antigamente, era uma época muito romântica, com momentos muito preciosos e que levamos pela vida afora. Quando fecho os olhos, tenho lembranças de muito valor. O jovem de hoje, infelizmente, perdeu tudo isso.

JC - O italiano ainda é emotivo?

IRD - Sim, ele é passional, emotivo.

JC - O brasileiro pode aprender isso com os italianos então?

IRD - Sim, todos acham a paixão dos italianos pelas moças e esposas muito bonita. Os jovens têm falta disso e podem aprender muito sim. Mas acho que, escondido dentro dos jovens, existe o romantismo, mas eles acham que não está na moda. Acho que todos deveriam ter direito a viver com mais calma, se interiorizar e pensar no que sentem.

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Perfil

Nome: Ilda Rugai Delicato

Idade: Não diz de jeito nenhum

Cidade de Nascimento: Collodi (na Itália)

Marido: Angelo Delicato

Filhos: Pier Angelo Rugai Delicato e Alessandro Rugai Delicato

Cor preferida: Vermelho

Nota 10: “Às pessoas que lutam pelo bem estar social”

Nota 0: “Para a corrupção e a violência”

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